quarta-feira, 25 de março de 2020

Manter a fé


Como manter a fé e a esperança em meio à crise?

Daniel Lima
A cela era escura e apertada. Já encontrava-se ali há mais de um ano. Seu crime era apenas de não concordar com o regime opressivo que dominava seu país e que cometia uma atrocidade após a outra. As acusações lançadas contra si eram falsas. Por vezes, a memória das oportunidades que teve para ficar longe de seu país, para se retirar, deviam cruzar sua mente. A memória de sua jovem noiva deveria estar com ele o tempo todo. Por meio de um guarda que havia se tornado seu amigo, conseguia enviar cartas para amigos e para sua noiva. Ele não sabia o que aguardar. Em meio a todas estas incertezas ele escreveu um poema, e sua primeira estrofe era:
De bons poderes sinto-me cercado,
Bem protegido e de fato consolado:
Assim desejo eu passar os dias
E ter convosco um ano de alegrias.[1]
Seu nome era Dietrich Bonhoeffer. Quase no final da guerra, poucas semanas antes do suicídio de Hitler, ele foi enforcado. Um médico nazista que assistiu sua execução escreveu depois: “Eu vi o pastor Bonhoeffer [...] ajoelhado no chão, orando fervoroso a Deus. Fiquei emocionado pelo modo como aquele homem amável orava, tão dedicado e com tanta certeza de que Deus o ouvia. No local da execução, ele fez mais uma oração e subiu os degraus da forca corajosamente, calmamente. Sua morte ocorreu em segundos. Nos quase cinquenta anos que trabalhei como médico, nunca tinha visto um homem morrer assim, tão submisso à vontade de Deus”.[2]
Que fé é esta que faz com que um homem injustiçado – e em meio a tantas incertezas – mantenha uma postura tão tranquila e esperançosa? É a fé de Paulo, que afirma no final de sua segunda carta a Timóteo:
Na minha primeira defesa, ninguém apareceu para me apoiar; todos me abandonaram. Que isso não lhes seja cobrado. Mas o Senhor permaneceu ao meu lado e me deu forças, para que por mim a mensagem fosse plenamente proclamada e todos os gentios a ouvissem. E eu fui libertado da boca do leão. O Senhor me livrará de toda obra maligna e me levará a salvo para o seu Reino celestial. A ele seja a glória para todo o sempre. Amém. (2Timóteo 4.16-18)
O mundo começou o ano de 2020 com diversas certezas. Todos tinham planos e projetos e muita segurança de que muito do que sonhavam iria acontecer. Contudo, quase tudo isso está sendo desafiado. Planos estão sendo apagados e qualquer projeto, no mínimo, suspenso. Todos se deparam com o fato de que seja pela pandemia, seja pela crise econômica que virá desta, o mundo não será o mesmo do que quando começamos o ano.
Reparem nas palavras de Paulo. Ele começa afirmando que todos o abandonaram, ninguém o defendeu. Para um homem velho e doente, no final da vida, só isso bastaria para afundar em amargura e depressão; no entanto, suas palavras são cheias de graça: “Que isso não lhes seja cobrado”. Este é um homem em paz cuja tranquilidade não é determinada pelas circunstâncias.
Nossos corações são revelados e nossa fé é depurada em meio à crise.
O verso 17 continua descrevendo essa postura cheia de esperança. Ele se alegra, não porque será libertado (nos versos anteriores ele indica que sabe que será morto), mas porque – pela ação de Deus – muitos ouviram o evangelho. Nestes dias de pandemia, qual é a sua oração? “Deus, nos livra da doença”, ou “Senhor, usa-me para proclamar sua esperança em meio à crise”. Recentemente, numa conversa com Arthur Lupion, missionário no Uruguai, escutei sua afirmação de que não há situação que me libere para amar a Deus ou ao próximo menos do que antes. Pelo contrário, nossos corações são revelados e nossa fé é depurada em meio à crise.
É justamente com essa fé e com essa esperança que Paulo conclui o parágrafo: “O Senhor me livrará de toda obra maligna e me levará para o seu Reino celestial”. Paulo, assim como Bonhoeffer, tinha seus olhos no Autor e Consumador da nossa fé (Hebreus 12.1-2). Ele sabia em quem cria e sabia que este é poderoso para nos guardar até o dia final (2Timóteo 1.12).
Estes são tempos de oportunidade. Sim, há muita tristeza, há muito temor e teremos muitas tragédias. No entanto, este é um tempo de mostrarmos a razão da nossa fé. Nossa fé não está baseada em reuniões públicas. Não está baseada em programações cuidadosamente preparadas. Estas podem até ser manifestações da nossa fé, mas não seu fundamento. O fundamento da nossa fé é nossa relação de rendição e amor pelo nosso Senhor Jesus Cristo. Minha oração é que o povo de Deus se levante para mostrar, em suas palavras e em seu viver diário, quem é o nosso salvador.

Notas

  1. Dietrich Bonhoeffer, “Resistência e submissão”, Sociedade Internacional Bonhoeffer. Disponível em: <https://bit.ly/3alfs2H>.
  2. Eberhard Bethge, Dietrich Bonhoeffer: A Biography (Mineápolis, MN: Fortress Press, 2000), p. 927.

segunda-feira, 23 de março de 2020

Esperança em meio a tragédia

 na

Esperança em meio à tragédia!

Daniel Lima
Medo! Estado afetivo suscitado pela consciência do perigo, imaginário ou fundamentado. O medo é uma presença constante na vida do ser humano. Por mais que cultivemos uma postura de suficiência própria diante de uma ameaça, nossa fragilidade rapidamente nos leva a um estado de alerta, de fuga ou luta, de medo. Já vi homens capazes e competentes entrarem em pânico ao perceber que coisas simples saíam do controle. Estamos vivendo uma onda de medo, em parte real, em parte exagerada diante da pandemia do coronavírus.
Enquanto alguns discutem se as igrejas devem ou não manter suas reuniões públicas (em locais onde ainda não existem ordens oficiais), eu gostaria de refletir sobre este momento, esta oportunidade. Quero ver esta pandemia como oportunidade, pois Deus não foi surpreendido. Na verdade, em seu plano soberano, esta tragédia foi entretecida juntamente com tudo mais que acontece. Diante disso, como o povo de Deus deve reagir? O que temos a dizer àquele que crê e ao que não crê diante do medo, mesmo do pânico?
Ao que crê, a melhor resposta é aquela dada por Paulo em Filipenses 1.20b-24:
Ao contrário, com toda a determinação de sempre, também agora Cristo será engrandecido em meu corpo, quer pela vida, quer pela morte; porque para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro. Caso continue vivendo no corpo, terei fruto do meu trabalho. E já não sei o que escolher! Estou pressionado dos dois lados: desejo partir e estar com Cristo, o que é muito melhor; contudo, é mais necessário, por causa de vocês, que eu permaneça no corpo.
A morte do cristão não deve ser temida. Para nós, morrer é lucro! No entanto, muito ciente de seu chamado e de seu ministério, Paulo entendia que o tempo de sua partida ainda não havia chegado (cf. 2Timóteo 4.6). Diante disso, minha postura como cristão é ser um bom mordomo do corpo que me foi confiado, para que eu possa continuar servindo nesta vida enquanto o Senhor julgar conveniente. No momento em que ele julgar que meu tempo é chegado, creio que partirei com alegria.
Quero ver esta pandemia como oportunidade, pois Deus não foi surpreendido.
Mas o que dizer àqueles que não estão em Cristo? Como ministrar àqueles para quem morrer não é lucro, mas o passo final de sua jornada para a perdição? Deixe-me alistar algumas considerações:
  1. Aqueles que morrem sem Cristo estão condenados à perdição eterna (Mateus 25.41-46Lucas 16.22-23 e João 3.18);
  2. Para estes a pandemia deve inspirar terror, pois após a morte não terão mais chance de se converter (Hebreus 9.27);
  3. O medo causado pela pandemia é uma aflição por antecipação, pois, quem hoje teme a morte, teme algo que é certo, uma vez que todos morreremos. É a certeza, a iminência, o choque de realidade que têm levado muitos a entrar em pânico;
  4. A verdadeira esperança para este medo antecipado não é a cura do vírus. A esperança para a morte é a vida eterna em Cristo Jesus (Romanos 6.23). Devemos tomar providências para combater esta pandemia, mas também devemos tratar do mal mais profundo: o destino eterno daqueles que estão sem Cristo.
Alguém já disse que “a tragédia é o megafone de Deus”, pois nossa fragilidade é evidenciada em meio à tragédia. Como seres humanos, conseguimos mascarar o nosso vazio interior e nossas dúvidas sobre a eternidade, mas, diante da proximidade da morte, todo homem se depara com a questão do destino eterno. Sendo assim, entre tudo o que podemos e devemos fazer como cristãos, eu quero destacar nossa responsabilidade de proclamar a esperança que há em nós (1Pedro 3.15).
Em 2Timóteo 4.1-5, como parte de suas últimas instruções a Timóteo, Paulo escreve:
Na presença de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos por sua manifestação e por seu Reino, eu o exorto solenemente: Pregue a palavra, esteja preparado a tempo e fora de tempo, repreenda, corrija, exorte com toda a paciência e doutrina. Pois virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; ao contrário, sentindo coceira nos ouvidos, juntarão mestres para si mesmos, segundo os seus próprios desejos. Eles se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando-se para os mitos. Você, porém, seja moderado em tudo, suporte os sofrimentos, faça a obra de um evangelista, cumpra plenamente o seu ministério.
A exortação de Paulo começa dizendo que devemos pregar a palavra; completando, ele afirma que devemos fazer a tempo e fora de tempo. Este é um momento em que muitos estão preocupados. A pandemia gerou um estado de alerta. A realidade da morte confronta a sociedade que se julgava tão poderosa e no controle. Este é um tempo de se considerar a salvação!
Minha postura como cristão é ser um bom mordomo do corpo que me foi confiado, para que eu possa continuar servindo nesta vida enquanto o Senhor julgar conveniente.
Paulo amplia o sentido de pregar usando as palavras “admoestar”, “repreender”, “exortar” e “ensinar”. Seu propósito é afirmar que pregar é muito mais do que um período dominical durante o culto cristão. Em um sentido amplo, eu prego quando encorajo, quando faço perguntas, quando ouço, quando ofereço perspectivas.
O apóstolo nos faz lembrar que haverá um tempo em que as pessoas só vão querer ouvir o que lhes agrada. Por isso tão poucos falam da realidade da morte ou do inferno. Parecem palavras antiquadas – quase medievais. No entanto, uma pandemia traz à tona o medo e a pergunta sobre nosso destino eterno. Minha oração é que você e eu tenhamos o mesmo foco e possamos aproveitar as oportunidades. Vamos lutar contra esta pandemia na medida de nossa mordomia, mas também vamos proclamar a fé naquele que nos resgatou do domínio das trevas para o reino de sua luz (Colossenses 1.13).