A Fuga ao Egito e o Retorno a Nazaré
A história do nascimento de Jesus Cristo não é encontrada em apenas um lugar da Bíblia. Como vimos semana passada, se tivéssemos apenas o evangelho de Lucas, teríamos de supor que, após a circuncisão e a apresentação do Senhor Jesus, a família teria voltado a Nazaré. Este é em princípio o primeiro cenário, que também nem se distingue tanto da outra possibilidade que veremos logo mais. Todavia, se de fato foi assim, a família de Jesus precisaria estar novamente em Belém em algum momento, porque foi ali que os magos homenagearam o Senhor – algo que ainda não havia acontecido até o momento.
Belém, Jerusalém e Nazaré
Antes de prosseguir por esta via, vamos examinar brevemente um segundo cenário, em que a família não teria ido a Nazaré, porém voltado a Belém. Neste caso, Lucas teria omitido os eventos correspondentes e o relato de Mateus teria ocorrido entre as declarações em Lucas 2.39: “Depois de terem feito tudo o que era exigido pela Lei do Senhor...”, e aí vem a grande lacuna – os eventos que Lucas omite – e só depois a narrativa prossegue dizendo: “... voltaram para a sua própria cidade, Nazaré, na Galileia”.
Isso significaria que Maria e José voltaram com seu filho (a essa altura com um mês e meio de idade) de Jerusalém para Belém, talvez até com a intenção de se estabelecerem por lá. Neste caso, os magos teriam aparecido pouco depois e ocorrido a cruel matança das crianças e a fuga para o Egito... e só depois Maria e José teriam voltado a Nazaré.
Mas vamos retornar à primeira ideia, ou seja, que a família se pôs a caminho de Jerusalém para Nazaré, a cidade em que Maria e José haviam morado originalmente e onde seus pais e parentes esperavam saudosos o seu retorno. Durante esse período, os magos do oriente ainda se encontram em sua longa viagem em direção a Jerusalém. A família de Jesus mora novamente em Nazaré, tendo-se passado pouco menos de dois meses desde o nascimento do Senhor. E agora Lucas 2.41 nos informa, quase à margem, um importante detalhe: “Todos os anos seus pais iam a Jerusalém para a festa da Páscoa”.
Maria e José eram muito tementes a Deus, de modo que anualmente eles se punham pelo menos uma vez a caminho para Jerusalém. Havia três festas de romaria por causa das quais os judeus piedosos se dirigiam a Jerusalém: a festa das cabanas, a festa das semanas e a Páscoa, mencionada aqui.
Maria e José eram muito tementes a Deus, de modo que anualmente eles se punham pelo menos uma vez a caminho para Jerusalém.
É verdade que Lucas 2.41 fala de uma Páscoa em que o Senhor Jesus já estava com doze anos de idade, mas é muito provável que a família também tenha ido a Jerusalém para festejar a Páscoa nos anos anteriores. Isso significaria então que, alguns meses depois do seu retorno a Nazaré, a família viajou novamente para Jerusalém, seja para a festa da Páscoa ou para alguma das outras festas. Além disso, a distância entre Nazaré e Jerusalém é de aproximadamente 100 quilômetros, de modo que não se trata de um passeio de um dia. E como Jerusalém provavelmente estaria bastante superlotada durante aquelas festas, é mais do que provável que Maria e José tenham se abrigado em Belém, mesmo porque José era natural de Belém e possivelmente podia se hospedar com parentes.
De acordo com esse cenário, a família de Jesus teria chegado novamente a Belém no contexto de uma visita por ocasião da Páscoa. Estes seriam então o oitavo e novo acontecimentos: o retorno a Nazaré e a nova ida a Belém e Jerusalém.
A visita dos magos e a fuga ao Egito
Com isso voltamos ao evangelho de Mateus e àquilo sobre o que Lucas se cala: “Então Herodes chamou os magos secretamente e informou-se com eles a respeito do tempo exato em que a estrela tinha aparecido. Enviou-os a Belém e disse: ‘Vão informar-se com exatidão sobre o menino. Logo que o encontrarem, avisem-me, para que eu também vá adorá-lo’. Depois de ouvirem o rei, eles seguiram o seu caminho, e a estrela que tinham visto no oriente foi adiante deles, até que finalmente parou sobre o lugar onde estava o menino” (Mateus 2.7-9).
Como já dissemos, não sabemos quando os magos se puseram a caminho nem quando chegaram a Jerusalém e a Belém. Podemos, porém, supor que tenham vindo da região da Babilônia e da Pérsia, o que significa que necessitaram de pelo menos meio ano para o trajeto até Jerusalém – isso combina tanto com a primeira possibilidade, segundo a qual a família de Jesus já morava em Belém porque José se estabelecera ali, como também com a segunda, segundo a qual, dependendo da festa a que compareceram, o Senhor Jesus tinha entre seis e dezoito meses de idade quando os magos finalmente chegaram a Belém. Este é o décimo passo: a visita dos magos.
De qualquer modo, porém, fica claro que por um lado o Senhor Jesus há tempo já não ocupava mais a manjedoura e, por outro, que ele poderá ter tido no máximo dois anos de idade quando os magos o visitaram: “Ao entrarem na casa, viram o menino com Maria, sua mãe...” (Mateus 2.11). Aqui nada se diz de alguma estrebaria, gruta ou manjedoura, nem de pastores de ovelhas. Os magos nunca estiveram junto à manjedoura nem se encontraram com os pastores de ovelhas. A essa altura, a família de Jesus morava numa casa. Além disso, o versículo 16 nos informa que Herodes decidiu matar todos os meninos de até dois anos de idade. Em razão desse acesso de fúria de Herodes, deu-se a fuga para o Egito.
Este é o décimo primeiro acontecimento: a fuga para o Egito. “Depois que partiram, um anjo do Senhor apareceu a José em sonho e lhe disse: ‘Levante-se, tome o menino e sua mãe, e fuja para o Egito. Fique lá até que eu diga a você, pois Herodes vai procurar o menino para matá-lo’. Então ele se levantou, tomou o menino e sua mãe durante a noite e partiu para o Egito, onde ficou até a morte de Herodes. E assim se cumpriu o que o Senhor tinha dito pelo profeta: ‘Do Egito chamei o meu filho’” (Mateus 2.13-15).
Assim como o nascimento virginal do Senhor Jesus fora predito, assim como se profetizou que o Salvador prometido viria da tribo de Judá e da família de Davi, e assim como o nascimento em Belém foi profetizado, assim também a estada no Egito foi um componente predeterminado no plano divido da salvação, porque Oseias 11.1 diz: “... do Egito chamei o meu filho”.
Como vemos, Deus não deixa nada por conta do acaso. Seus atos sempre visam a um objetivo. Isso também não é um encorajamento para nós, hoje? Podemos ter certeza de que não estamos à mercê do acaso ou do destino, nem sequer da arbitrariedade de quaisquer poderosos autonomeados, mas da bondade e do amor de Deus. Que felicidade para a pessoa que pode se considerar filho ou filha de Deus. É como Paulo disse: “... considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor” (Filipenses 3.8). Em outras palavras: “Sem Jesus não tenho nada!”, e, inversamente, vale a palavra de 2Coríntios 6.10c: “Nada tendo, mas possuindo tudo”.
Deus não deixa nada por conta do acaso. Seus atos sempre visam a um objetivo.
Voltemos ao Egito. Não se declara quanto tempo José permaneceu ali com sua família, mas a história nos informa que Herodes morreu pouco tempo depois, e com sua morte houve o retorno a Israel, de modo que a permanência no Egito não deve ter durado muito. E somente então é que o evangelho de Mateus relata que Maria e José se estabeleceram novamente em Nazaré. Este é o décimo segundo acontecimento: o retorno a Nazaré – seja pela primeira vez desde o nascimento do Senhor Jesus, possivelmente depois de aproximadamente dois anos, ou um novo retorno após um comparecimento intermediário à festa da Páscoa.
“Depois que Herodes morreu, um anjo do Senhor apareceu em sonho a José, no Egito, e disse: ‘Levante-se, tome o menino e sua mãe e vá para a terra de Israel, pois estão mortos os que procuravam tirar a vida do menino’. Ele se levantou, tomou o menino e sua mãe e foi para a terra de Israel. Mas, ao ouvir que Arquelau estava reinando na Judeia em lugar de seu pai Herodes, teve medo de ir para lá. Tendo sido avisado em sonho, retirou-se para a região da Galileia e foi viver numa cidade chamada Nazaré. Assim cumpriu-se o que fora dito pelos profetas: ‘Ele será chamado Nazareno’” (Mateus 2.19-23).
O enunciado do versículo 22 sugere fortemente que José nem queria ir a Nazaré com sua família, mas para Belém. Como consta ali, ele teve medo de ir à Judeia (e Belém ficava na Judeia) porque Arquelau reinava sobre a região. Só depois de orientado por um sonho é que José voltou a Nazaré. Como já dissemos, é bem provável que José quisesse ir morar em Belém ou que até já se tivesse estabelecido ali. Mas Deus, que anteriormente providenciou que Maria e José deixassem Nazaré e tivessem de ir a Belém, o mesmo Deus providenciou agora que Maria e José não fossem novamente a Belém, mas retornassem a Nazaré, porque isso também fazia parte do plano sagrado de Deus, conforme está escrito: “Assim cumpriu-se o que fora dito pelos profetas: ‘Ele será chamado Nazareno’”.
Retorno a Nazaré
E assim estamos de volta a Nazaré. De Nazaré a Nazaré. E vemos que a Palavra não se contradiz, mas constitui uma única revelação de Deus a nós. O plano sagrado de Deus perpassa a Bíblia toda como um fio vermelho. Nós é que constantemente nos contradizemos e partimos de premissas erradas. Deus, porém, não se contradiz. O que ele diz é claro, verdadeiro, preciso, único, soberano, onipotente e inabalável.
É fascinante observar como Deus atinge seu objetivo com sua palavra e seu plano.
É fascinante observar como Deus atinge seu objetivo com sua palavra e seu plano. Ele lança mão de um imperador romano para ordenar o recenseamento no momento certo, que acaba por fazer com que o Senhor Jesus nasça no momento certo e no lugar determinado. Ele utiliza um tirano vaidoso e aterrorizante como Herodes para assegurar que se cumprisse a palavra “do Egito chamei o meu Filho”. Deus usa um outro governador não menos cruel, chamado Arquelau, para providenciar que Jesus não crescesse em Belém, mas em Nazaré – para que ele seja chamado de nazareno.
Nada acontece por acaso, porque os céus e a terra passarão, mas a Palavra de Deus permanece para sempre (Mateus 24.35), e assim podemos encerrar com plena confiança na sua Palavra citando 2Tessalonicenses 2.13: “Mas nós devemos sempre dar graças a Deus por vocês, irmãos amados pelo Senhor, porque desde o princípio Deus os escolheu para serem salvos mediante a obra santificadora do Espírito e a fé na verdade”.
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