Como encarar momentos de sofrimento?
Como você imagina Jesus em um corpo glorificado? Imagino que, como eu, você imagina um corpo que brilha, roupas brancas e uma aparência sobrenatural; afinal, ele surgia e desaparecia conforme desejava! No entanto, lendo os relatos dos evangelhos, fui surpreendido por um detalhe importante: ele trazia suas cicatrizes. De alguma forma isso me pareceu contraditório. Um corpo glorificado trazendo as marcas de suas tortura e morte?
Refletindo sobre isso, li um texto de Macrina Wiederkehr, onde ela escreve:
Quando Jesus ressuscitou, suas feridas ainda eram visíveis. As cicatrizes podiam ser vistas ali, bem no meio da glória. Se minha vida deve ser moldada à vida de Cristo, por que isso seria diferente em mim?[1]
A realidade é que lidamos muito mal com nossos sofrimentos. Eu por exemplo reconheço que é por meio de períodos de sofrimento que o Espírito produz em mim algumas transformações que eu não sei como seriam possíveis de outra forma. Após um período de dor, de confusão, mesmo de reclamação a Deus, eu chego num novo lugar. Um lugar de entendimento, de quebrantamento, de nova adoração ao meu Senhor. Ainda assim, eu não teria voluntariamente escolhido este período de sofrimento. Mesmo após compreender a transformação que este “deserto” me trouxe, eu ainda o evitaria.
Por isso somos levados ao deserto pelo Espírito (Mateus 4.1). É no deserto que aprendemos a abrir mão de coisas inúteis, de vaidades e de sonhos que, apesar de parecerem tão belos, são na verdade cadeias que nos escravizam. É no deserto que Cristo se torna meu bem maior. Davi expressa isso no Salmo 16.1-2:
Protege-me, ó Deus, pois em ti me refugio. Ao Senhor declaro: “Tu és o meu Senhor; não tenho bem nenhum além de ti”.
Ao atravessarmos momentos de dor e confusão, momentos em que parece que todo o nosso mundo ruiu, então começamos a vislumbrar algo muito mais belo. Começamos a ver relances do mundo que Deus deseja construir em nossa vida. Assim, as cicatrizes não contrastam com a glória, mas aprofundam a perspectiva dela. São como símbolos que nos lembram de uma época em que éramos escravos e do preço que foi pago para nossa liberdade.
As cicatrizes não contrastam com a glória, mas aprofundam a perspectiva dela. São como símbolos que nos lembram de uma época em que éramos escravos e do preço que foi pago para nossa liberdade.
Paulo expressa esse entendimento em Colossenses 1.24:
Agora me alegro em meus sofrimentos por vocês e completo no meu corpo o que resta das aflições de Cristo, em favor do seu corpo, que é a igreja.
Ele não era masoquista de se alegrar com sofrimentos. Sua alegria estava no privilégio de participar dos sofrimentos de Cristo em favor de outros. Suas cicatrizes de açoites, de apedrejamentos, de prisões, naufrágios e outros sofrimentos não eram um prazer em si. (Nem tampouco eram motivo de orgulho para mostrar sua resiliência.) Sua alegria estava em participar dos sofrimentos de Cristo em favor da igreja.
Também em Filipenses 3.10-11, após declarar que abriu mão de suas credenciais anteriores, ele volta a expressar o mesmo conceito:
Quero conhecer a Cristo, o poder da sua ressurreição e a participação em seus sofrimentos, tornando-me como ele em sua morte para, de alguma forma, alcançar a ressurreição dentre os mortos.
Assim, meu irmão, minha irmã, não devemos temer os momentos difíceis, as provações. Eles são oportunidades únicas de crescimento. Sim, serão doloridos e eu não anseio por eles. Ao mesmo tempo, sei que me libertarão do meu velho homem, gerarão a transformação que tanto desejo, vão – enfim – realizar o que Paulo nos exorta em Colossenses 3.5: “Assim, façam morrer tudo o que pertence à natureza terrena de vocês...”. Ao final, quando formos feitos semelhantes a ele (1João 3.2), nossas cicatrizes serão preciosas lembranças da jornada pela qual nos conduziu nosso Senhor.
- Macrina Wiederkehr, Seasons of Your Heart: Prayers and Reflections, ed. rev. (Nova York: HarperOne, 1991).
Nenhum comentário:
Postar um comentário