sábado, 21 de novembro de 2020

O Último Homem


O Último Homem (Justo) na Terra


Jeff Kinley

Em meio a todo esse pecaminoso frenesi global, Deus encontrou um homem que se destacou entre bilhões. “Porém Noé encontrou favor aos olhos do Senhor” (Gênesis 6.8). Descrito como “homem justo, íntegro entre o povo da sua época”, Noé era um homem que “andava com Deus” (Gênesis 6.9). Mesmo não sendo perfeito, Noé tinha integridade. E, ainda que certamente não fosse isento de culpa, Noé ainda era inocente, ou um homem de alto caráter e reputação morais. Em contraste com o caráter perverso, odioso e violento de seus pares, ele se manteve puro, decente e civilizado. Não havia sujeira na vida de Noé. Ele sentia a pressão de se conformar à impiedade de sua geração, mas também se sentia chamado a ser diferente dela em caráter e estilo de vida (ver 2Coríntios 6.14-18).

O desafio de viver na cultura do mundo envolve não se deixar consumir pelo pecado inerente a ela. Não há dúvida que nós cristãos estamos destinados a viver neste mundo, mas não derivamos dele nossa identidade nem nossos valores porque não pertencemos a ele (João 17.16). Usando a sabedoria, podemos nos manter conectados com as pessoas e a sociedade sem permitir que atitudes, crenças e condutas ímpias nos moldem ou influenciem (João 17.11,14-18; Romanos 12.2). Em sua essência, o cristão não é nem um pouco melhor que qualquer outra pessoa, e Jesus condena aqueles que exibem sua fé com uma atitude de arrogância (Mateus 23). Somos chamados a demonstrar humildade, amor e compaixão, mesmo em relação àqueles de quem discordamos veementemente. Esse equilíbrio pode ser difícil de alcançar, e muitas vezes significa ter uma voz dissidente e isolada. Ou ser o único justo. Em geral, significa não se deixar levar pela correnteza, mas nadar contra ela. Seguir a Deus pode até acarretar decisões e comportamentos que gerem ridicularização, zombaria e mesmo ódio.

Somos chamados a demonstrar humildade, amor e compaixão, mesmo em relação àqueles de quem discordamos veementemente.

Noé sabia como era.

Ele era justo em “sua época”. Seguia a Deus aqui e agora, respondendo ao contexto de sua própria geração. Decidido a andar com Deus, manteve-se limpo em meio a um mundo poluído – não por sua própria justiça; antes, para se preservar. Ele era justo. Mas o que exatamente fazia de Noé alguém tão justo aos olhos de Deus? Qual era sua história? Como Noé se tornou “Noé”?

Fé Resistente

Noé estava plenamente convencido da realidade de algo que ainda não conseguia enxergar. E é exatamente isso que a fé faz. Ela capacita aqueles que creem para ver o invisível. A conhecer o “ainda não”. A ir em frente em confiante obediência, independentemente do quanto isso o faça parecer esquisito, ridículo ou controverso. E Deus honra aqueles que escolhem os seus caminhos “ridículos” em detrimento da “sabedoria” convencional do ser humano (1Coríntios 1.18-29).

Um único homem ou mulher com fé consegue resistir a um exército de antagonistas. E havia uma legião de opositores em torno de Noé. A desvantagem era de bilhões para um.

Mas será que, diante das implicações físicas, espirituais e sociais de sua hercúlea tarefa, Noé alguma vez experimentou momentos de dúvida? Terá o filho de Lameque em algum momento vacilado na fé enquanto trabalhou durante um século, dia após dia, naquele projeto? Se o rei Davi, o apóstolo Pedro e João Batista tiveram momentos importantes em que sua fé praticamente faltou, é razoável assumir que Noé também tenha enfrentado esses momentos. Ele certamente passou várias noites em claro durante aqueles 120 anos, com dores lancinantes nas costas, machucados nas pernas ou mãos inchadas e feridas, pensando: “Deus, será que tudo isso realmente vale a pena? Será que esse dilúvio realmente vai acontecer, ou eu imaginei tudo isso? Será que meu barco vai flutuar, ou será que vou afundar e me afogar com os demais? Tu realmente falaste comigo anos atrás, ou estou aqui desperdiçando meu tempo e minha vida? Será que os céticos e cínicos têm razão no que dizem a meu respeito? Será que todos verão que sou um tolo? Essa é realmente a única maneira de nos salvar? Não tem um jeito mais fácil de realizar tua vontade?”.

Mesmo que não tenha passado por dúvidas crônicas e contínuas, Noé, como todos os crentes, com certeza teve ataques satânicos e de insegurança. É provável que sua própria natureza pecaminosa também tenha agido, inundando sua mente com apreensão ocasional e ondas de autopiedade. Ele também ficava cansado. Exausto de usar machados, serras e martelos. E os milhares de insultos lançados regularmente em sua direção ameaçavam desgastar a camada de fé que protegia seu coração. Afinal de contas, Noé continuava sendo apenas um ser humano. Mas, a despeito de suas limitações mortais, com o tempo ele aprendeu a desenvolver e exercitar o seu músculo da fé. Era a sua fé forte que o tirava da cama a cada manhã. O exercício da fé ajudava-o a suportar a dor e o cansaço. Ela protegia-o contra as afiadas setas verbais daqueles que o ridicularizavam.

Nossos ideais românticos sobre ser um crente forte adquirem perspectiva quando a corrida da nossa fé atinge a marca dos 10 ou 20 quilômetros.

Acreditar em Deus por causa de algo grande soa muito nobre. Alguns até consideram isso admirável. Tentar fazer uma obra grande para o Senhor é algo bom. Mas a realidade da vida em um mundo cheio de pecado é que essa fé real muitas vezes fica ensanguentada e suja, difícil e desafiadora. Esse é o tipo de fé que vai além da pura teoria e alcança a ação. Ela vai da cabeça e do coração para suas mãos, pés e boca. Esse não é o tipo de fé sobre o qual se fala ou escreve. Esse é o tipo de fé que se vive (ver Tiago 2.14-26). Não é hipotética, mas prática. Embora invisível, outros podem enxergá-la. É uma fé que trabalha. Se necessário, ela sacrifica e sofre. É uma fé manchada de sangue. Daquele tipo marcado por feridas e cicatrizes. Um pouco desfiada nas pontas. Rasgada e lacerada em alguns lugares. Batida, mas não estragada. Com aparência de quem levou uma surra, mas ainda ousada. Aparentemente derrotada, mas mantendo-se determinada. E – o melhor de tudo – é sua. Como um par favorito de sapatos: quanto mais é usado, mais confortável lhe parece.

Essa é a fé aprovada na batalha.

Não é atraente, mas com certeza é linda.

Nossos ideais românticos sobre ser um crente forte adquirem perspectiva quando a corrida da nossa fé atinge a marca dos 10 ou 20 quilômetros. Quão forte seria sua fé se todas as pessoas à sua volta estivessem contra você? Se cada ser humano vivo em torno de você o julgasse um tolo? E se quisessem tirar sua vida por causa da sua fé? Ou se sabotassem seus esforços para cumprir a missão dada por Deus? Será que Noé sofreu com sabotadores? Será que houve prejuízos porque alguém colocou fogo numa pilha de madeira ou roubou ferramentas e materiais? De qualquer forma, ele continua fazendo o que Deus lhe pedira, até nos menores detalhes (Gênesis 6.22). É isso que a fé faz. Ela obedece. E não há nada de glamoroso nisso. Apenas glorioso.

Noé tinha fé.

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