Vou deixar o Brasil…
Em reportagem recente, a Folha de S.Paulo, com base em pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha,[1] declarou que a maioria (62%) dos jovens brasileiros entre 15 e 25 anos gostaria de deixar o Brasil. Este desejo não é apenas um sonho, mas se traduz em um êxodo de brasileiros que é cada vez maior. O primeiro país escolhido é os Estados Unidos, em segundo lugar está Portugal, seguido de perto por outros países europeus ou Austrália e Nova Zelândia. Quanto mais formação e maior nível econômico, maior a vontade de deixar o Brasil.
A principal motivação para a partida é a desesperança quanto ao futuro, tanto do ponto de vista político como do econômico. Segundo alguns analistas, além da frustração com a realidade no Brasil, um dos fatores que motiva o desejo de mudança é a facilidade de realizá-la. Este é um dos motivos que faz de Portugal um dos principais destinos pretendidos. Outro fator que contribui é a própria acessibilidade a informações. Hoje é possível, pela internet, ver até mesmo as condições de moradia que estão sendo oferecidas. Outros analistas declaram que a maioria dos que partem retornam após alguns anos, embora não existam dados concretos a respeito deste fluxo.
Muitos de nós conhecemos alguém que já foi ou pelo menos gostaria muito de sair do Brasil. É natural que cada um de nós também considere se esta é uma opção para si mesmo. Sem dúvida a situação é difícil e as perspectivas não são promissoras. Mesmo em uma época de campanhas eleitorais, quando cada candidato deveria apresentar sua melhor proposta, o futuro apresentado não tem nos dado muita esperança.
Muitos de nós conhecemos alguém que já foi ou pelo menos gostaria muito de sair do Brasil.
É claro que não se pode encontrar erro em alguém que decide partir ou ficar. Mas esta não parece ser a questão central. O que preocupa neste quadro é: realmente não importa para o cristão ficar no Brasil ou deixá-lo? Uma questão paralela é onde está nossa esperança, mas disso trataremos em outro momento. Porém, e a questão de como, enquanto seguidores de Jesus, devemos encarar este êxodo de brasileiros, tanto com relação a outros como com relação a si mesmo? Qual o papel do cristão diante deste quadro?
Vamos alistar alguns argumentos e ao final levantar algumas perguntas que podem orientar um cristão nesta questão, que para muitos é uma possibilidade clara.
Cidadania
A primeira consideração ao pensar em deixar nosso país é nossa cidadania. Em Filipenses 3.20 o apóstolo Paulo, inspirado pelo Espírito Santo, declara: “A nossa cidadania, porém, está nos céus, de onde esperamos ansiosamente o Salvador, o Senhor Jesus Cristo”. Qualquer que fosse seu entendimento de cidadania, ele deixa claro que nossa prioridade é com o reino de Deus e não com nossos vínculos com a geopolítica terrena. Isso não evita, no entanto, que ele manifeste seu compromisso e preocupação com seus irmãos judeus. Em Romanos 9, nos versos de 2 a 4, ele escreve:
Tenho grande tristeza e constante angústia em meu coração. Pois eu até desejaria ser amaldiçoado e separado de Cristo por amor de meus irmãos, os de minha raça, o povo de Israel.
O autor de Hebreus também parece instruir que nossa origem terrena deve ter um aspecto secundário em nossas considerações (Hebreus 11.13-16):
Todos esses viveram pela fé e morreram sem receber o que tinha sido prometido; viram-no de longe e de longe o saudaram, reconhecendo que eram estrangeiros e peregrinos na terra. Os que assim falam mostram que estão buscando uma pátria. Se estivessem pensando naquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Em vez disso, esperavam eles uma pátria melhor, isto é, a pátria celestial.
Amor que tenha como objeto um ideal não é amor – é fantasia.
Parece evidente que cidadania geopolítica tem um papel no mínimo secundário na decisão de permanecer no Brasil ou deixá-lo. No entanto, ao olharmos o exemplo de Paulo acima, uma outra questão surge: somos chamados a amar pessoas, e pessoas específicas, não apenas um equivalente genérico. Este amor não existe fora de um contexto de tempo e lugar, ou seja, não podemos amar pessoas como conceito e não amar pessoas concretas. Amor que tenha como objeto um ideal não é amor – é fantasia. Além disso, um entendimento sóbrio da soberania de Deus nos leva a crer que o local, a família e o país em que nascemos não é obra do acaso, mas sim da intencionalidade divina. Isso por si só não nos torna cativos de nosso país de origem, mas deve nos levar a considerar esta origem enquanto buscamos cumprir o projeto de Deus para nossa vida.
Motivação
Uma outra consideração fundamental para um cristão decidir se deve mudar de país é sua motivação. Não só é natural, como também esperado, que busquemos as melhores condições para nós mesmos e para aqueles que amamos. No entanto, ainda assim nos cabe perguntar o que é melhor? Esta pode parecer uma pergunta tola, pois, à primeira vista, todos sabemos o que é melhor. Todavia, o cristão tem um ponto de referência diferente quando busca definir o que é uma vida melhor. As palavras de Jesus ao final da famosa passagem de Mateus 6 são muito importantes:
Portanto, não se preocupem, dizendo: “Que vamos comer?” ou “Que vamos beber?” ou “Que vamos vestir?” Pois os pagãos é que correm atrás dessas coisas; mas o Pai celestial sabe que vocês precisam delas. Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas serão acrescentadas a vocês. (versos 31-33)
Sem sombra de dúvida todos, inclusive os cristãos, podem e devem buscar as melhores condições de vida. Mas este não é nosso princípio fundamental, não é nossa referência maior ao decidirmos. Nossa prioridade deve ser o reino de Deus e a sua justiça.
Compromissos
Um terceiro conceito a ser considerado é compromissos. O conceito de compromisso está profundamente desgastado em nossos tempos. Certamente uma das razões para isso é que o mesmo foi usado por muito tempo como ferramenta de manipulação por líderes e governantes. No entanto, é também inegável que a definição de ser adulto inclui a tomada de decisões a partir de valores que superam nossas preferências ou desejos. Em 1Timóteo 5.4 Paulo destaca que certos compromissos agradam a Deus:
Mas, se uma viúva tem filhos ou netos, que estes aprendam primeiramente a pôr a sua religião em prática, cuidando de sua própria família e retribuindo o bem recebido de seus pais e avós, pois isso agrada a Deus.
Exemplos Bíblicos
Dentre os vários exemplos bíblicos que podemos examinar sobre pessoas que deixaram sua nação e seu povo, vamos examinar dois. O primeiro deles é Abraão. Gênesis 12.1 registra com muita clareza a ordem de Deus para que Abraão deixasse seu país: “Saia da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei”. Porém, é curioso que, uma vez na terra prometida, Deus confirmou (Gênesis 12.7) que aquela seria a terra dada à sua descendência. Em seguida (verso 10), diante da fome naquela terra, Abraão deixa a terra prometida e vai ao Egito, que era na época uma das maiores potências dos pontos de vista econômico e cultural. Em outras palavras, diante de uma situação de crise, Abraão deixou sua terra por “melhores condições”. No entanto, chegando no Egito, quando confrontado com uma situação ameaçadora, ele se acovarda e, deixando um compromisso com sua esposa, acaba por permitir que o faraó leve Sara para seu harém. Pensando que esta era irmã de Abraão, o faraó lhe dá gado, riquezas, servos e servas. Entre estes estava uma jovem egípcia de nome Hagar que traria tanta dor à família de Abraão. Assim, o primeiro deixar de seu povo foi ordenado por Deus e trouxe benção, já o deixar de sua terra para fugir de um tempo de crise trouxe situações danosas, riquezas e também muita dor a Abraão.
O segundo exemplo foi quando Davi, fugindo de Saul, decide se aliar aos filisteus. O capítulo 26 de 1Samuel registra a segunda vez que Davi poupa a vida de Saul. Curiosamente, no primeiro verso do capítulo 27 encontramos uma conclusão de Davi que, frente aos acontecimentos recentes e às promessas de Deus, era surpreendente: “Algum dia serei morto por Saul. É melhor fugir para a terra dos filisteus. Então Saul desistirá de procurar-me por todo o Israel, e escaparei dele”. Deus havia prometido cuidar de Davi, que havia sido ungido rei sobre Israel. Davi estava andando em plena obediência a Deus... por que então este pensamento de deixar sua terra? A única conclusão é que devido aos anos de fuga, cansaço e injustiças Davi tomou uma decisão errada, buscando refúgio longe dos planos de Deus. O resultado a princípio foi agradável, mas logo se tornou um problema para Davi, que começou a mentir para encobrir seus atos. A situação piora ainda mais quando as famílias de seus homens são raptadas e estes pensam em se rebelar contra ele. Deus, no entanto, estava justamente trazendo a libertação que Davi havia cansado de esperar, removendo Saul e abrindo espaço para o reinado de Davi.
Com base nesta e em outras histórias, gostaria de alistar algumas perguntas que todo cristão deveria fazer ao pensar em deixar ou permanecer em seu país:
- Já tomei uma decisão de seguir a Jesus em qualquer circunstância? Já decidi me alinhar ao seu projeto para minha vida?
- Acredito que Deus tem um plano para minha vida e que este plano inclui o lugar e o contexto onde vou viver, trabalhar e me relacionar?
- Onde vou servir melhor a Deus?
- Onde poderei cuidar melhor da vida espiritual pessoal e da minha família?
- Estou pensando em sair em obediência à direção de Deus ou estou meramente fugindo de tempos difíceis?
- Estou sensível à direção do Espírito Santo quanto aos meus planos?
- Qual igreja ou grupo de cristãos será minha comunidade de apoio no local para onde estou indo?
- Existe algum compromisso ou tarefa aqui que é minha responsabilidade?
- É este o momento certo para esta mudança em minha vida?
- Como Deus será exaltado com esta mudança em minha vida?
Minha sincera oração é que você, eu e cada cristão tome decisões que afetam sua vida debaixo de uma perspectiva de nosso compromisso de servir e honrar o Senhor. Que possamos afirmar juntamente com o apóstolo Paulo:
Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim. (Gálatas 2.20)
- https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/06/se-pudessem-62-dos-jovens-brasileiros-iriam-embora-do-pais.shtml
Nenhum comentário:
Postar um comentário