POR QUE DEVERÍAMOS FUGIR DAS REDES SOCIAIS? (E Por Que Não Fugimos?)
Publicado por Reformados 21 em 12/09/2018
Mais um ex-executivo do
Facebook emitiu um alerta sobre como o seu antigo empregador nos condicionou a
maus hábitos, envenenou nossa vida social, roubou nossa sanidade e sabotou
nossos relacionamentos mais íntimos. Desta vez, foi Chamath Palihapitiya, de 41
anos, agora um empreendedor de alto risco e co-proprietário do time de basquete
“Golden State Warriors”, da NBA.
FALSA E FRÁGIL
Palihapitiya falou
recentemente aos alunos do curso de pós-graduação em administração da
Universidade de Stanford, explicando como o Facebook corrompe a linguagem
social.
Os circuitos de resposta
rápida e movidos à dopamina que criamos estão destruindo a forma como a
sociedade funciona. Moldamos nossas vidas em torno desse senso aparente de
perfeição porque somos recompensados em
curto prazo (acenos, corações,
curtidas), e associamos isso com valor, associamos isso com a verdade. Contudo,
na realidade, esta é uma popularidade falsa e frágil; e isso nos deixa ainda
mais vazios.
Este vício agora contamina
toda a base de dois bilhões de usuários do Facebook, disse ele. Tudo planejado.
“Não percebemos isso, mas estamos sendo programados”, advertiu Palihapitiya,
repudiando perante os alunos a ideia de que muita inteligência e uma boa
formação os imunizariam contra a praga. Não imunizam!
ENTÃO, QUAL É A RESPOSTA
“Cada um deve decidir o
quanto de sua independência intelectual está disposto a abrir mão”, disse ele.
“Não tenho uma boa solução. Minha solução é: simplesmente não uso mais essas
ferramentas. Já faz anos”. Em outras palavras, saia definitivamente das Mídias
Sociais!
VICIADOS EM REDE SOCIAL
Parece bom. Parece simples.
Basta se desligar das Mídias Sociais. Mas é claro que não é assim que funciona.
Os cristãos sabem que existem desejos mais profundos por trás dos vícios
digitais. Mesmo com todos os hábitos de Rede Social que afligem nossas vidas,
com toda a falta de atenção aos que nos rodeiam, a maioria de nós jamais
consideraria seriamente desativar nossas plataformas sociais (até mesmo
Palihapitiya mantém uma conta ativa no Facebook).
As Redes Sociais viciam cada
um de nós. Amamos participar dos debates nos comentários do Facebook, emplacar
o GIF perfeito, o Twitter, ou espalhar outra selfie descartável no Snapchat. A
sedução das mídias é o desejo de ser visto de forma onisciente, ser sempre
“ovacionado” e estar sempre visível aos outros. Os smartphones prometem nos
proteger da “atazagorafobia”, que é o medo de ser esquecido. Desta forma, nos
comunicamos impulsivamente, desde que acordamos até o momento em que
adormecemos.
Tudo isso condiciona nosso
comportamento digital e beneficia as plataformas sociais, que proporcionam
bilhões de dólares em lucro. As nossas emoções são condicionadas e
autocondicionadas. Nós fazemos isso a nós mesmos. Como disse um escritor: “Cada
plataforma de Rede Social é uma droga que prescrevemos a nós mesmos; consumimos
para regular a nossa vida emocional, e estamos constantemente fazendo
experiências com a combinação”.
ENFRENTANDO O SILÊNCIO
As Mídias Sociais são um
coquetel de drogas que estimulam as emoções, e que misturamos para nós mesmos.
E, sair das Redes Sociais, mesmo que por alguns dias, ou apenas por algumas
semanas, significa encarar a dura realidade de que nossos colegas não irão perceber
nossa ausência; ninguém irá perceber o nosso silêncio, e não ficarão ansiosos
por nossa volta. Fugir das Mídias Sociais é provar a picada amarga do
esquecimento, uma pequena pitada da solidão dos idosos, ou da crise de
identidade da meia-idade, que agora se espalha por todos os estratos
demográficos.
Se decidirmos parar de
sermos vistos nas Redes Sociais, iremos desaparecer completamente; mas não
ousamos parar. É por isso que o primeiro passo para sair definitivamente da
Mídia Social, o primeiro dia desconectado, tem um gosto amargo. Isso porque
usamos os sons das notificações em nossas vidas para reprimir duas coisas que
preferimos não enfrentar.
O SILÊNCIO E O EU
Em seu sermão sobre o Salmo
62:1 – “Somente em Deus, ó minha alma, espera silenciosamente” – Dietrich
Bonhoeffer explica o medo moderno do silêncio e mostra como o homem o repele
pelo uso das Redes Sociais, um fenômeno que operava na Alemanha, no final da
década de 1920.
Ele disse que, primeiro,
buscamos novos sons para evitarmos a nós mesmos.
“Nós fugimos do silêncio”,
disse Bonhoeffer. “Corremos de uma atividade a outra, para evitar ficarmos
sozinhos com o nosso eu, mesmo que apenas por um momento, e para evitar também
de nos olharmos no espelho. Estamos entediados com nós mesmos, e, muitas vezes,
as horas mais desesperadas e desperdiçadas são aquelas que somos obrigados a
passar sozinhos” (Works [Escritos] 10:503).
Odiamos isso. O silêncio
força, inevitavelmente, que as verdades desconfortáveis voltem
à nossa mente. Tudo sobre nossas vidas:
quem somos, quem nos tornamos, bons, o maus, o entediante, as coisas que gostaríamos de mudar, as memórias, fatos e cicatrizes que nunca
apresentaríamos nas Redes Sociais. No silêncio, porém, nada sobre nós permanece
escondido; tudo emerge novamente para a superfície. Tirar e compartilhar novas
selfies é sempre mais fácil do que o medo do desconhecido, que surgirá se tudo
ficar silencioso.
Entretanto, o nosso medo do
silêncio pessoal expõe algo ainda mais profundo.
O SILÊNCIO E JESUS
Repetidamente, nas
Escrituras, o silêncio é uma demonstração de nossa fé constante, uma confiança
decidida no Redentor para mover, agir e salvar. Quando as tentações e os
perigos aumentam, os cristãos piedosos podem acalmar os sons alarmantes à sua
volta e recuperar o silêncio.
Na tranquilidade e na
confiança reside a força de vocês (Isaías 30:15).
Descanse no SENHOR e espere
nele (Salmo 37:7).
Somente em Deus a minha alma
espera silenciosa; dele vem a minha salvação (Salmos 62:1).
Somente em Deus, ó minha
alma, espere silenciosa, porque dele vem a minha esperança (Salmo 62.5).
O silêncio revela confiança
em Deus. O silêncio também é um convite divino. E este é o medo moderno mais
profundo.
“Não somente temos medo de
nós mesmos, de nos descobrirmos e nos desmascararmos”, escreveu Bonhoeffer,
“mas temos ainda mais medo de Deus, de que ele possa perturbar o nosso
silêncio, nos descobrir e nos desmascarar. Que Deus possa nos atrair para uma
comunhão mais profunda e fazer conosco o que Ele quiser. Por temermos encontros
tão inquietantes e solitários com Deus, nós o evitamos; evitamos até mesmo
pensar em Deus, para que, de repente, ele não se aproxime demais de nós. Ter
que “olhar nos olhos de Deus”, ter que ser responsável perante Ele, é uma ideia
terrível; o nosso sorriso perpétuo pode desaparecer, as coisas podem ficar
sérias demais, de modo que não estamos nem um pouco acostumados”.
A frágil e falsa
popularidade digital e a presença de Deus se aproximam. O que parece mais
atraente nesta era? Geralmente, acordamos e pegamos nosso smartphone direto da
cama.
Essa ansiedade caracteriza
toda a nossa época. Vivemos com medo perpétuo de sermos apreendidos
repentinamente e chamados por Deus a servi-lo, preferindo socializar, ir ao
cinema, ou ao teatro, até que finalmente sejamos levados aos nossos túmulos.
Qualquer coisa é melhor do que ter de suportar um único minuto diante de Deus
(Works [Obras] 10:503).
Cada momento silencioso em
1928 poderia ser interrompido pela vida social ou pela mídia. Noventa anos
depois, podemos manter o som de distração da vida social e das redes
simultaneamente.
A Mídia Social não é o
problema; é a máscara dos nossos medos ocultos. Todos nós queremos notícias
novas e urgentes, ou tweets virais, ou uma nova mensagem de texto, porque
significa que, por pelo menos mais um momento, evadimos o contato visual com o
Salvador e a seriedade do que significaria encontrá-lo, ouvi-lo, e encarar o
chamado de Deus que pode atrapalhar as nossas vidas confortáveis.
O SILÊNCIO E A IGREJA
Bonhoeffer não está
comemorando o isolamento social e a solidão. Há um silêncio que decorre de
nossa condição humana caída. Bonhoeffer está ressaltando o silêncio
intencional, o qual devemos aprender a praticar, o que agora chamamos de
“solidão”, a decisão de escolher o silêncio e a tranquilidade quando há
oportunidades de barulho. O silêncio escolhido é a nova expressão do
empoderamento social na era digital. O silêncio é liberdade. E o silêncio é uma
forma de proteger a saúde da igreja local.
À medida que o ministério de
Bonhoeffer se desenvolveu, ele tomou as duas verdades deste sermão inicial (que
o silêncio nos obriga a enfrentar a nós mesmos, e que ele nos alerta para a voz
e o chamado de Deus) e as aplicou à vida em comunidade.
Em seu livro, Vida em
Comunhão, ele diz que “aprendemos em comunidade a paciência e a honestidade
necessárias para ficarmos sozinhos. Enquanto estamos sozinhos, conhecemos a
Deus e desenvolvemos a autenticidade necessária para o florescimento social.
“Quem não consegue ficar sozinho deve ter cuidado com a comunidade. Quem não
suporta estar em comunidade deve ter cuidado ao estar sozinho” (Works [Obras]
5:83).
Em um mundo saturado de
Redes Sociais, na onipresença do eu, perdemos a disciplina do silêncio.
Perdemos um senso de ouvir a Deus. Ele parece distante. Ficamos vazios da
verdade divina, a qual necessitamos possuir antes de podermos oferecer graça
aos nossos irmãos e amigos.
Destarte, Bonhoeffer
perguntou em seu tempo, e nos pergunta agora: “A Palavra de Deus está com você,
como conforto e força? Ou você usa indevidamente a “solidão” contra a
comunidade, contra a Palavra e a oração? Os indivíduos devem estar conscientes
de que, mesmo as horas que são gastas sozinhas, reverberam na comunidade. Na
“solidão” podemos fragmentar e manchar a comunidade, ou podemos fortalecê-la e
santificá-la. Todo ato de autodisciplina de um cristão também é um serviço para
a comunidade” (Works [Obras] 5:92).
Uma comunhão saudável em
nossas igrejas nunca irá acontecer enquanto cada membro abusar das Mídias
Sociais e deixar de prestar atenção à sua própria solidão.
SOLIDÃO PIEDOSA
Nesta era midiática isso
pode soar antinatural. Estranho. Bonhoeffer confirma que “vai parecer bastante
engraçado, talvez até vazio nas primeiras vezes. Em pouco tempo, no entanto, a
alma ficará cheia; ela ficará mais forte” (10:504). Ele também poderia estar
falando dos primeiros dias longe das Redes Sociais.
Bonhoeffer acreditava que
era uma obra especial do Espírito Santo levar cada crente a esta serena
solidão, no lugar calmo onde as nossas necessidades mais profundas são
expostas, e as maiores verdades eternas podem mais uma vez impregnar nossas
almas. Porque quem, sozinho, sem o poder do próprio Deus, poderia desejar o
silêncio em uma era de autoprojeção incessante?
Pelo poder do Espírito,
aprendemos a abraçar a seriedade desacostumada da solidão, enquanto oramos com
o sentimento dos primeiros versículos do Salmo 139:
SENHOR, tu me sondas e me
conheces. Sabes quando me sento e quando me levanto; de longe conheces os meus
pensamentos. Observas o meu andar e o meu deitar e conheces todos os meus
caminhos.