O
Evangelho de Mateus
A
sucessão ao trono geralmente traz muitas incertezas e conflitos. Absalão, filho
de Davi, tentou usurpar o trono de seu pai (2 Samuel 15.1; 18.18). Uma escolha
errada feita pelo sucessor de Salomão, Roboão, ao trono fez com que este
perdesse metade de seu reino para um traidor (1 Reis 12.20). Manaém assassinou
seu predecessor em Israel (2 Reis 15.14). Ser rei era um negócio muito perigoso.
E não foi diferente nem mesmo para o Rei dos reis, Herdeiro legítimo ao trono
de Deus.
Se já houve alguma vez uma sucessão tão
conturbada, com certeza foi essa. Um homem [chamado Jesus] afirmou ser o
Messias de Israel, e é claro que toda a nação quis tirar isso a limpo. E, obviamente,
Ele teve de apresentar suas credenciais. Quem deseja ter em seu meio um
impostor? Assim, o livro de Mateus aponta as credenciais de Jesus,
apresentando-o como Rei, mas o Rei de um reino muito diferente — o Reino dos
céus.
O
Evangelho de Mateus tem muitas características judaicas. Por exemplo, o termo
Reino dos céus aparece 31 vezes, e o termo Reino de Deus, cinco vezes. Nenhum
outro Evangelho dá tanta ênfase ao Reino. A esperança da restauração do
glorioso reino de Davi era algo que ardia no coração dos judeus naqueles dias.
E Mateus nos mostra claramente que essa esperança estava em Jesus ao usar nove
vezes em seu Evangelho o título da realeza judaica Filho de Davi. Além disso,
Mateus chama Jerusalém de Cidade Santa (Mateus 4-5; 27.53) e a cidade do grande Rei
(Mateus 5.35), duas formas exclusivamente judaicas de referir-se a ela.
Os
judeus do primeiro século davam muita importância à justiça, e Mateus usa as
palavras justo e justiça mais do que são usadas nos Evangelhos de Marcos, Lucas
e João juntos. Mateus também trata de assuntos como a Lei, a pureza cerimonial,
o Sábado, o templo, Davi, o Messias, o cumprimento das profecias do Antigo
Testamento e Moisés — tudo isso de um ponto de vista judaico. Ele faz mais de
53 citações do Antigo Testamento e mais de 70 referências às Escrituras hebraicas.
Seu
livro enfatiza 33 vezes que as obras de Jesus foram um cumprimento das
profecias do Antigo Testamento. A genealogia no capítulo 1 é puramente judaica
e descreve a descendência de Jesus de Abraão, o patriarca do povo judeu, até
Davi. Além disso, Mateus menciona em seu Evangelho os governantes de Israel da
época (Mateus 2.1,22; 14.1) e alguns costumes, como lavar as mãos (Mateus 15.2), sem
explicá-los, indicando que seus leitores eram, em sua maioria, judeus já
familiarizados com essas práticas. O Evangelho de Mateus vai muito além de
apresentar uma mera biografia de Jesus. Um de seus objetivos é provar ao povo
judeu que Jesus é o Messias, o Rei que havia sido prometido.
A
genealogia no capítulo 1 aponta para Cristo como o herdeiro do Reino eterno que
Deus prometeu a Davi. Ao citar um salmo messiânico, em Mateus 22.41-44, Jesus
demonstrou de modo bem claro aos judeus que Ele é o Herdeiro do trono de Davi.
Embora muitos judeus da época de Jesus fossem “cegos” demais para reconhecer
quem Ele realmente era, os gentios (como os três sábios) reconheceram-no como o
Rei prometido a Israel quando Ele era um bebê. Enfim, a acusação pregada na
cruz acima da cabeça de Jesus destacava nitidamente Sua realeza: este é
Jesus, o Rei dos judeus (Mateus 27.37).
No
entanto, o mais importante no Evangelho de Mateus é que este documento prova a
legítima autoridade de Jesus ao destacar Seus ensinamentos e Sua vida de
retidão (Mateus 7.28,29). Outro objetivo do Evangelho de Mateus é descrever as
características do Reino de Deus, tanto em relação a Israel quanto à Igreja. Os
judeus ortodoxos sempre zombavam de todos os que afirmavam que Jesus era o
Messias e ainda mais dos que declaravam que Ele era o seu Rei. Eles diziam: “Se
Jesus é Rei, onde está a restauração do reino de Israel que foi prometida?”
Muitos judeus nos dias de Jesus o rejeitaram como Messias, embora tanto Ele
como João Batista tenham pregado que o Reino dos céus estava próximo (Mateus 3.2;
4.17; 10.7).
A
rejeição de Jesus pelos judeus é o tema principal de Mateus (Mateus 11.12-24;
12.28-45; 21.33; 22.14). Por causa dessa rejeição, Deus adiou o cumprimento de
Suas promessas a Israel e, por conseguinte, estendeu Suas bênçãos aos gentios. Mateus
é o único dos Evangelhos que fala especificamente da Igreja (Mateus 16.18; 18.17), mostrando
aos gentios como a Eclésia é formada e descrevendo vários episódios em que
gentios demonstraram fé em Jesus: os magos, o centurião e a mulher cananeia.
Mateus
deixou registradas a profecia de Jesus de que o evangelho seria pregado a todas
as nações (Mateus 24.14) e a Grande Comissão, segundo a qual os apóstolos deveriam
fazer discípulos em todas as nações (Mateus 28.19). O ensinamento de Jesus mostrava
que as bênçãos do Reino de Deus seriam estendidas aos gentios. No entanto, um
dia, Israel seria restaurado e receberia todas as bênçãos prometidas (Romanos 11.25-27; 15.8,9). O objetivo final de Mateus é instruir a Igreja. Uma pista
muito clara disso está na Grande C o missão, dada por Jesus: Ide, ensinai
todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.
Ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenha mandado (Mateus 28.19,20).
O
processo de discipulado implica aprender e aplicar os ensinamentos de Jesus, e
o Evangelho de Mateus enfatiza os principais discursos do Mestre, entre os
quais: o Sermão do Monte (Mateus 5.1— 7.28); o comissionamento dos 12 apóstolos (Mateus 10.5— 11.1); a parábola do semeador, a do joio e do trigo, a do tesouro
escondido e a da pérola de grande valor (Mateus 13.3-53); o maior no Reino dos
céus, a importância do perdão, ilustrada pela parábola do credor incompassivo
(Mateus 18.2— 19.1); o sermão profético sobre o fim dos tempos (Mateus 24.4— 26.1).
Em
vez de empreender uma narrativa sobre a vida de Jesus, como faz Marcos, Mateus
usa os 10 Mateus elementos da narrativa em seu Evangelho como pano de fundo
dos sermões de Jesus. Este Evangelho não traz o nome de seu autor, mas
deixa-nos pistas. Seu autor conhecia a geografia da Palestina muito bem (Mateus 2.1; 8.5; 20.29; 26.6). Ele estava familiarizado com a história dos judeus,
seus costumes, suas ideias e as classes sociais (Mateus 1.18,19; 2.1; 14.1; 26.3;
27.2). Ele também conhecia muito bem o Antigo Testamento (Mateus 1.2-16,22,23; 2.6;
4-14-16; 12.17-21; 13.35; 21.4; 27.9). E a terminologia do livro sugere que seu
autor era um judeu da Palestina (Mateus 2.20; 4.5; 5.35; 10.6; 15.24; 17.14-27;
18.17; 27.53).
Os detalhes apontam de modo bem específico Mateus,
o discípulo de Jesus, como o escritor desse Evangelho. Por ser coletor de
impostos, Mateus era culto e entendia muito bem de contabilidade. Não é surpresa
alguma, portanto, que este Evangelho contenha mais referências ao dinheiro do
que todos os outros. Além disso, a cidade natal de Mateus era Cafarnaum, a
qual, quando citada, vem sempre acompanhada de alguma explicação, como: cidade
marítima, nos confins de Zebulom e Naftali (Mateus 4.13); que te ergues até aos
céus (Mateus 11.23). Mateus escreveu seu Evangelho antes da destruição de Jerusalém
em 70 d.C. Ele descreve Jerusalém em seu livro como a Cidade Santa, pois ela
ainda estava intacta (Mateus 4.5; 27.53), e menciona os costumes judaicos que
permaneciam até o dia de hoje (Mateus 27.8; 28.15). Além disso, a profecia de Jesus
sobre a destruição de Jerusalém (descrita em Mateus 24.2) não traz indício
algum de que já tinha sido cumprida quando Mateus registrou as palavras de
Jesus. A luz de tudo isso, podemos concluir que o livro foi escrito entre 50 e
60 d.C.