Muitas Coisas Boas Acabaram Mal
Ah, se todos nós pudéssemos viver num mundo de “leite e mel”. Todo mundo sabe o que significa essa expressão – uma terra sem cuidados, de abundância e vida fácil. Nesta presente era de pilhas de riquezas cada vez maiores e uma classe média encolhida, a maioria se contentaria com apenas isso.
No entanto, de onde surgiu esta expressão – “leite e mel”? Muito, muito tempo atrás no Antigo Testamente. Hoje, muitos milênios depois, ela continua sendo uma expressão comumente usada. A etimologia (o estudo da origem das palavras) e os idiomas podem revelar conexões fascinantes com antigas sociedades.
A expressão “leite e mel” aparece pela primeira vez em Êxodo 3.8, onde o Senhor Jeová diz a Moisés: “Por isso desci para livrá-los [meu povo] das mãos dos egípcios e tirá-los daqui para uma terra boa e vasta, onde há leite e mel com fartura: a terra dos cananeus, dos hititas, dos amorreus, dos ferezeus, dos heveus e dos jebuseus”.
Jeová tinha revelado a Abraão já há muito tempo (e muitas vezes) que ele possuiria a terra de Canaã, e “toda a terra que você está vendo” (Gn 13.15). Essa terra foi prometida por Jeová para ser dada a Abraão e seus descendentes como “propriedade perpétua” (Gn 17.8).
Porém, a primeira vez que a expressão “leite e mel” aparece na Bíblia foi uma revelação e um lembrete a Moisés, de que esta Terra Prometida estava cheia de grandes recompensas. Pode-se supor que, como Abraão já tinha vivido naquela terra, não havia a necessidade de prometer “leite e mel” a ele. Ele saberia que esse é o caso. Moisés, muitos anos depois, talvez precisasse de um incentivo de “leite e mel” – uma cenoura numa vara, por assim dizer – para seduzir os hebreus a deixarem o Egito e embarcarem no êxodo para esta nova Terra Prometida.
É certamente significante que a expressão “leite e mel” apareça exatas 21 vezes (três vezes sete) no Antigo Testamento. Com certeza é uma promessa que será mantida pelo próprio Deus (pois ainda não ocorreu plenamente).
Uma terra de excessos
Ao longo da história, a humanidade tem ativamente impulsionado o crescimento econômico através de vários meios e ganhos de produtividade. O crescimento da produção econômica (o que hoje chamamos popularmente de Produto Interno Bruto ou PIB) tornou-se uma medida geopolítica muito importante da riqueza e o indicador-chave do chamado “progresso humano”. É a essência básica do humanismo. Como tal, vivemos hoje em uma era onde muitas nações sofrem de excessos... não escassezes. Por quê?
Há muita oferta e uma demanda insuficiente. De fato, em muitos países é mais fácil comprar algo do que vender. Naturalmente, existem partes do mundo onde comprar é muito mais difícil do que vender e onde há escassez de comida. Isso não precisa ser o caso em nossos dias. Ganância, corrupção, cleptocracia e conflitos humanos, seja pela guerra ou pela competição política, são as razões de tais casos.
Não obstante, seria válido destacar que a industrialização e a motivação para o lucro, incorporada na busca do comércio e da troca, criaram um mundo de excedentes em relação aos bens de consumo e às calorias. Existem muitas provas. Com certeza, no que diz respeito a um “excesso de calorias”, uma epidemia mundial de obesidade (como anunciada pela Organização Mundial da Saúde) é uma evidência parcial (embora de modo algum deseje simplificar este complexo problema).
O “excesso de comida” me faz lembrar de um velho conto de fadas alemão. Quando criança, eu fui exposto à popular história chamada Mecki in Schlaraffenland. Anos depois, eu encontrei uma versão traduzido para o inglês, a qual eu li para os meus netos. Como com a maioria dos antigos contos de fada (irmãos Grimm, Wilhelm Busch... etc.), eles são considerados um tanto macabros para as jovens crianças dos nossos dias. De qualquer caso, Mecki vive em Schlaraffenland, que é uma terra de excessos. Leite e mel em todos os lugares... para não mencionar bacon, bolos e todos os alimentos saborosos que você possa querer comer.
Neste conto, tudo desde bacon até galinhas assadas voam direto para a boca da pessoa, se ela descuidadamente deixá-la aberta.
No entanto, um excesso de qualquer coisa não é ideal. Longe disso. Os efeitos colaterais podem incluir perda de saúde, vício, destruição da rentabilidade... etc. Nós, seres humanos, de fato temos uma propensão para grandes apetites e ambições, mas apenas uma limitada capacidade para cumpri-los. Saciedade modesta e balanceada é apreciável, mas excessos – mesmo de itens saborosos e de luxo – levam a problemas.
Inundado de leite e mel
Hoje, acredite ou não, as indústrias de leite e mel estão sofrendo de excesso de oferta. Ambas as commodities estão sendo produzidas em quantidades esmagadoras. Considere esta citação sobre a indústria do leite: “Se você já sentiu vontade de chorar pelo leite derramado, agora é a hora. Produtores de leite nos Estados Unidos derramaram mais de 43 milhões de galões de leite entre janeiro e agosto de 2016. Esse leite foi derramado em campos, lagoas de esterco e na alimentação dos animais, ou para dentro do dreno em usinas de processamento. De acordo com o Wall Street Journal, essa quantidade de leite é suficiente para encher 66 piscinas olímpicas e é a maior desperdiçada nos últimos 16 anos”. [1]
Aparentemente, há tanto excesso de leite que se poderia literalmente permitir que as pessoas se banhassem nele. Na verdade, essa era uma prática dos ultrarricos séculos atrás. Um banho de leite quente deixava a pele macia.
“O problema é que os Estados Unidos estão no meio de um massivo excesso de leite”, diz o artigo. Existe uma condição similar na Europa, que também se estende a enormes estoques de queijo. Assim como os canadenses, que, embora o suprimento de leite seja controlado, têm muito mais capacidade do que demanda.
Acredite ou não, o mundo até mesmo sofre de muito mel. (Pode haver demais de uma coisa boa?) A América está realmente transbordando de mel. No Canadá, um afluxo de mel importado da China, Zâmbia, Vietnã (e outros países) está fazendo com que muitos apicultores fechem suas lojas. O preço por atacado do mel diminuiu pela metade nos últimos anos.
A terra de “leite e mel” que estava no olhar dos antigos hebreus é hoje nada mais do que uma história pitoresca em nosso tempo de excesso. Certamente não há escassez de excessos e abundâncias.
Acumular versus Emanar
Como mencionado, excessos também podem levar a problemas. Considere estocar e acumular. Tiago comenta sobre o aparecimento, no fim dos tempos, do acúmulo: “Vocês acumularam bens nestes últimos dias” (Tg 5.3). A NTLH usa a expressão “amontoaram”. A riqueza acumulada (que deve significar um abismo cada vez maior entre “os que têm e os que não têm”) é aqui citada claramente como uma condição dos últimos dias. O armazenamento é repudiado em toda a Bíblia quando envolve negação de oferta ou ganância. Aqui, encontramos uma conexão significativa com o uso do Antigo Testamento da expressão “leite e mel”.
A economia de Deus é composta principalmente por emanações, e não por armazéns cheios de dinheiro ocioso.
Mas primeiro, preciso fazer uma admissão. Anteriormente, mencionei que a expressão “leite e mel” é encontrada exatamente 21 vezes na Bíblia. Na verdade, isso está errado. Para ser exato, é a frase “terra que mana leite e mel” (ARA) que aparece 21 vezes. Em todos os casos que “leite e mel” é mencionado, está no contexto de uma “terra” na qual “leite e mel” estão emanando.
Isso é significativo. Por quê? Por uma série de razões. No entanto, queremos nos concentrar em por que a palavra “mana” é sempre incluída. A palavra “mana” implica algo sendo usado ou ativo, ou sendo distribuído. Não é algo “armazenado”. A Terra Prometida que “mana leite e mel” não era para ser um depósito de leite e mel. Leite e mel não estão sendo estocados ou acumulados, mas emanados. Eles deveriam ser consumidos e disponibilizados a todos.
A Bíblia promove emanações. Considere que a Oração do Senhor solicita especificamente que o Senhor “dá-nos hoje o nosso pão de cada dia” (Mt 6.11). Não somos instruídos a pedir uma despensa de pão que vai durar um mês, mas sim apenas para um dia. Semelhantemente, notamos que os israelitas recebiam o maná diariamente e de uma forma que não pudessem armazenar (com a exceção da porção dobrada para o Sabbath).
Pensamentos para reflexão
Os cristãos devem ser “pessoas emanantes” e não acumuladores.
A economia de Deus é composta principalmente por emanações, e não por armazéns cheios de dinheiro ocioso. Assim como Deus é amor em movimento – amor vivido –, assim deve ser com o dinheiro. É claro que precisamos economizar para as nossas necessidades antecipadas e financiar as atividades dos nossos negócios e sustento. No entanto, chega um momento em que o ato de guardar torna-se armazenar. Nesse sentido, para os santos, todo o guardar deve ser feito em um espírito de mordomia.
Em contraste, o mundo promove o espírito de acumulação; a busca da riqueza terrena como medida de sucesso; um baluarte de segurança; para satisfazer o orgulho. A maioria dos dons de Deus para nós, sejam eles dons do Espírito ou recursos materiais, são destinados para compartilharmos e abençoarmos outros através da nossa doação. Nós mesmos podemos ser uma fonte que “mana” leite e mel para aqueles que precisam.
Seja uma pessoa emanante, não uma acumuladora.
Todos os cristãos (embora talvez não sejam “israelitas”) têm a simbólica promessa de uma “terra que mana leite e mel”. Algum dia, quando chegarmos à Nova Jerusalém, “ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou. Aquele que estava assentado no trono disse: ‘Estou fazendo novas todas as coisas!’” (Ap 21.4-5). — Wilfred Hahn
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