Pandemia e Cabanas
A colheita havia terminado. Havia uma sensação de contentamento e de gratidão no ar. Uma colheita farta trazia sorrisos, abundância e corações cheios de segurança; uma colheita fraca trazia olhares resignados, pensamentos de como dividir o resultado e corações que se enchiam de esperança: “Quem sabe no ano que vem?”. Qualquer que fosse o resultado, uma colheita era a garantia de que haveria comida suficiente para o próximo ano.
Para o povo judeu, o final da colheita também era o início da Festa das Cabanas, a última e mais alegre festa do calendário judeu. Nela os judeus eram instruídos a construir cabanas e habitar nelas por uma semana. No último dia, pelo menos na época de Jesus, havia uma cerimônia em que jarros de água eram buscados do tanque de Siloé e derramados ao redor do altar representando a purificação e a generosidade de Deus. Naquela noite, tochas e piras eram acessas no pátio do templo iluminando não só ele, mas toda a cidade. Nas palavras de um rabino: “Quem nunca viu esta celebração, nunca conheceu o que é a alegria”.
No curso que tenho lecionado sobre o evangelho de João, chegamos nos capítulos 7–8. Com isso tive de voltar a estudar a Festa das Cabanas para compreender o contexto dos discursos de Jesus nesses dois capítulos. Ao preparar a aula, Deus me levou a buscar lições e princípios para o momento difícil que vivemos com relação à epidemia e às incertezas do futuro econômico, político, social e mesmo de saúde. Eu quero convidá-lo(a) a examinar comigo a passagem de Levítico 23.39-43:
39Assim, começando no décimo quinto dia do sétimo mês, depois de terem colhido o que a terra produziu, celebrem a festa do Senhor durante sete dias; o primeiro dia e também o oitavo serão dias de descanso. 40No primeiro dia vocês apanharão os melhores frutos das árvores, folhagem de tamareira, galhos frondosos e salgueiros, e se alegrarão perante o Senhor, o Deus de vocês, durante sete dias. 41Celebrem essa festa do Senhor durante sete dias todos os anos. Este é um decreto perpétuo para as suas gerações; celebrem-na no sétimo mês. 42Morem em tendas durante sete dias; todos os israelitas de nascimento morarão em tendas, 43para que os descendentes de vocês saibam que eu fiz os israelitas morarem em tendas quando os tirei da terra do Egito. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês.
A primeira instrução é que colham ramos e se alegrem diante do Senhor. Reparem que a instrução não é para se alegrar caso a colheita seja boa, mas se alegrar diante de Deus. O ser humano tem uma enorme tendência à insatisfação. Somos, de modo geral, muito mais rápidos para identificar o que falta do que o que temos. Em tempos de quarentena, com nossa rotina profundamente afetada, é fácil reclamarmos do que nos falta. Faltam as reuniões familiares, os cultos públicos, as reuniões com amigos, os ajuntamentos que traziam significado às nossas vidas. No entanto, de modo geral há muita coisa boa que Deus tem nos concedido: tecnologia para manter contato, muitos têm conseguido manter suas atividades de modo remoto, a maioria ainda preserva sua casa e – para uma enorme maioria – também seus familiares.
Com isso não estou desprezando as perdas, os sofrimentos presentes ou por vir. Tenho visto gente que simplesmente não têm recursos para este mês. Em nossa família, dois membros já perderam seus empregos, enquanto os outros estão lutando para se adaptar às novas demandas. Com o aumento do número de mortos, muitos perderão entes queridos e, em vários casos, famílias perderão seus provedores.
No entanto, o ato de se alegrar no Senhor é um ato simultâneo de esperança e de inconformidade. Esperança de que Deus há de nos cuidar, de que ele tem um plano perfeito (que pode, sim, incluir sofrimento) para cada um de nós. Eu me alegro, pois eu sei que meu Redentor vive e que ele reina soberano! Inconformidade no sentido de que eu não sou definido pela realidade ao meu redor. Por crer no Deus eterno, eu posso olhar para esta pandemia e declarar que meu Deus é mais poderoso, mais forte e que a pandemia não me define. Assim, mesmo diante do vale da sombra e da morte, eu não preciso temer, pois tudo que eu preciso me será dado pelo meu Pastor (Salmo 23).
O ato de se alegrar no Senhor é um ato simultâneo de esperança e de inconformidade.
Os versos 42-43 apresentam a segunda instrução para nós: para que nossos descendentes saibam o que Deus fez. A festa não era só a celebração da colheita, mas os judeus moravam em cabanas para que eles se lembrassem e seus filhos soubessem que Deus os havia conduzido pelo deserto. A característica das cabanas evidenciava a fragilidade, a vulnerabilidade da vida humana. Se Deus não os tivesse protegido e conduzido pelo deserto, esse povo teria desaparecido.
Um efeito evidente da pandemia é revelar nossa vulnerabilidade. Mesmo os poderosos e ricos países europeus estão encarando o caos, tendo sua fragilidade exposta. Para quem eles correm? A Festa das Cabanas tinha o propósito de lembrar aos judeus quem era seu Salvador e Sustentador. A pergunta pode ser feita a cada um de nós: quando vemos muitos de nossos planos e projetos afundando, ou pelo menos colocados em sério risco, quem é nosso salvador e sustentador? Para quem temos corrido?
Um dos elementos que mais me trouxe esperança foi perceber que a Festa das Cabanas, em seus elementos fundamentais, aponta para o céu. No céu viveremos em uma celebração eterna na pessoa de nosso Deus. No céu poderemos louvar a Deus relembrando como ele nos conduziu para nosso lar. No céu poderemos comemorar a colheita daquilo que Deus fez ao longo da história e do qual tivemos o privilégio de participar. Minha oração é que, por meio de verdades bíblicas como esta, nossos corações sejam consolados, nossas mentes sejam instruídas e nossas vidas proclamem quem é nosso Deus!
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