quinta-feira, 11 de julho de 2019

O Deus que torna mal em bem


O Deus que torna mal em bem

Daniel Lima
É impressionante como um período de sofrimento parece eterno para quem o está atravessando, mas para quem olha de fora é mais fácil ter uma perspectiva mais real. Lembro-me bem do período em que lutei com uma depressão, fruto de não liberar perdão. Foi quase um ano em que nada me animava; durante o dia eu ansiava pela noite, para dormir, e durante a noite eu ansiava pelo dia, para poder sair da cama... Pareceu uma eternidade, um tempo sem fim. No entanto, foram apenas alguns meses.
Este é o terceiro artigo sobre sofrimento. No primeiro escrevi sobre a realidade do sofrimento e como sofrer sem entender a razão tem o poder de nos tornar mais sábios ou mais amargos (leia “Qual o papel do sofrimento?”). No segundo comecei a estudar a vida de José, que sofreu a traição de seus irmãos de forma totalmente desproporcional a qualquer atitude arrogante que pudesse ter tido: foi vendido como escravo e levado ao Egito (leia E agora, José?).
Escravos eram bens valiosos e, muito embora vivessem em condições precárias, José teve a sorte de ser comprado por um oficial do Faraó (Gênesis 37.36). Potifar era certamente um membro da nobreza militar do Egito. Homem de influência e riqueza. É evidente que a condição de José, ainda que escravo, foi privilegiada. Gênesis afirma que ele passou a morar na casa do seu Senhor. Não só se tornou um escravo da casa, ao invés de um escravo do campo, mas também era bem-sucedido no que fazia, ao ponto de que o próprio Faraó passou a confiar nele. A Bíblia deixa claro que isso ocorria porque “o Senhor estava com José”. Esta confiança do patrão foi recompensada e tudo que era seu prosperava.
Contudo, mais uma vez Deus permite que José seja enredado em uma trama perversa (Gênesis 39). Desta vez a esposa de Potifar tenta seduzi-lo. Registros históricos mostram que esta situação não era tão rara. Nesta sociedade pagã da Antiguidade, senhores (e senhoras) mantinham relações sexuais com escravos selecionados. No entanto, José se nega a trair a confiança de seu senhor e de seu Deus. Em determinado dia a senhora cria uma situação e, sendo rejeitada, acusa José injustamente de assédio.
Por que nos surpreendemos quando sofremos injustiças? Deveríamos nos preocupar se o mundo não nos confrontar.
Mesmo um escravo qualificado não tinha nenhuma credibilidade diante da senhora da casa. José é enviado para a prisão. Ali também o “Senhor estava com ele”, e ele é encarregado da administração da prisão. Algum tempo depois ele interpreta corretamente os sonhos de dois oficiais do rei. Muito embora ambas as interpretações se cumpram, e mesmo tendo pedido por intervenção do chefe dos copeiros, José é mais uma vez esquecido na prisão. Mais dois anos se passam antes de José ser chamado a interpretar os sonhos do Faraó e ser erguido à posição de governador do Egito. Nesta condição, mais uma vez ele é bem-sucedido e prospera em sua função.
Mais alguns anos se passam até que seus irmãos venham comprar comida no Egito. Nesta ocasião José testa seus irmãos forçando-os a trazer o irmão mais novo, Benjamim, na próxima viagem, enquanto mantém Simeão como refém. Na segunda vinda ele mais uma vez testa os irmãos, mas acaba por se revelar e promove a vinda e a instalação do pai e do restante da família ali no Egito. É uma história impressionante e complexa. As reações são muito humanas – a ponto de não deixar dúvidas de se tratar de uma história real. Nosso foco, no entanto, é em como José encarou seu sofrimento e que lições podemos tirar desta história.
  1. Primeiramente, não resta dúvidas de que o sofrimento de José não foi causado por ele. O relato afirma repetidas vezes que Deus estava com José. Embora se possa vislumbrar alguma arrogância em sua juventude, não há nenhum indício desta em sua idade adulta. Pode-se imaginar que a experiência de ser vendido como escravo transformou sua atitude de uma vez por todas.
  2. As injustiças que José sofreu foram resultado do mundo em pecado. Como cristãos, não deveríamos ficar surpresos com o sofrimento que o mundo nos causa. O apóstolo Paulo escreveu com clareza: “De fato, todos os que desejam viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos” (2Timóteo 3.12). Por que então nos surpreendemos quando sofremos injustiças? Deveríamos nos preocupar se o mundo não nos confrontar.
  3. José continuou servindo a Deus mesmo em meio a condições injustas e indignas. Ele sabia quem era seu Salvador e Sustentador. Após a morte do pai, quando seus irmãos ficaram temerosos do que José podia fazer, ele faz uma declaração que indica duas verdades: “Não tenham medo. Estaria eu no lugar de Deus? Vocês planejaram o mal contra mim, mas Deus o tornou em bem, para que hoje fosse preservada a vida de muitos. Por isso, não tenham medo. Eu sustentarei vocês e seus filhos” (Gênesis 50.19-21).
Primeira verdade: vocês planejaram o mal... Reconhecer que sofremos a injustiça é o primeiro passo do perdão. Infelizmente, quando ouvimos alguém se queixar de uma injustiça, queremos minimizar o ocorrido procurando dizer que “quem sabe o outro não percebeu? Quem sabe foi sem querer?”. É importante reconhecer que sofremos injustiças, mesmo de outros cristãos; caso contrário, vamos continuar tentando nos convencer de que o engano foi meu, que eu não entendi o que aconteceu... Embora isso possa ocorrer, às vezes pessoas (mesmo família ou cristãos) planejam o mal contra nós.
José continuou servindo a Deus mesmo em meio a condições injustas e indignas. Ele sabia quem era seu Salvador e Sustentador.
Segunda verdade: Deus é soberano e ele torna o mal em bem! Esta é nossa grande esperança em um mundo caído. Sim, vamos sofrer injustiças; sim, sofreremos as atitudes de um mundo caído. No entanto, podemos confiar em um Deus que torna o mal em bem, que lida com o pecado daqueles que pecaram contra nós.

Minha oração é que diante do sofrimento que Deus tem permitido contra nós, nosso coração não fique amargurado, mas confie naquele que pode tornar o mal em bem. Pessoalmente, eu acredito que era devido a esta crença que “Deus estava com José”, mesmo no fundo da prisão.

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