sexta-feira, 28 de junho de 2019

E agora, José?


E agora, José?

Daniel Lima
Pensando sobre o lugar do sofrimento, somos levados quase imediatamente à história de José. Ela é registrada a partir do capítulo 37 de Gênesis; na verdade, a partir deste ponto ele é o personagem principal da trama, onde Deus age em favor e por meio da família que prometeu abençoar. Ele foi o favorito de seu pai dentre 12 irmãos. A história conta que José foi o primeiro filho de Raquel, a esposa favorita do pai, e que ele nasceu em sua velhice. Talvez Jacó já tivesse acumulado frustrações com seus demais filhos, talvez as mães destes tivessem passado aos filhos parte de sua amargura de serem colocadas em segundo plano. O fato é que Jacó, sendo pai na idade de avô, demonstrava um favoritismo aberto por José.
Não é necessária muita imaginação para entender que este rapaz cresceu se imaginando melhor que seus irmãos. O verso 2 do capítulo 37 de Gênesis afirma que ele contava ao pai a má fama de seus irmãos. Não sabemos qual era sua motivação, mas, conhecendo algo de sistemas familiares, é evidente que José se aliou ao pai delatando seus irmãos. Jacó mandou fazer uma veste especial, símbolo de um herdeiro, e a reação dos irmãos foi natural. O verso 4 do mesmo capítulo diz que eles o odiaram e não conseguiam falar com ele amigavelmente.
A saga continua quando José tem sonhos em que ele é exaltado diante de toda a família. Seguindo o enredo de favorito, ele conta a todos os seus sonhos de autoexaltação. Mais uma vez, o resultado é que os irmãos o odeiam ainda mais. Somente agora o pai o repreende. No entanto, os irmãos crescem em ciúmes.
A sequência dramática é que, assim que têm oportunidade, os irmãos buscam se livrar do favorito. A princípio consideram matá-lo, mas por fim, movidos mais pelo ganho financeiro que por misericórdia, cedem à proposta de vendê-lo. Ao pai contam a mentira apoiada pela apresentação da túnica de José rasgada e manchada de sangue.
Quanto mais pudermos nos apoiar na verdade de que Deus está no controle, mais seremos capazes de lidar com as injustiças e os sofrimentos que vamos enfrentar.
A história continua e teremos de usar o próximo artigo para explorá-la em sua inteireza. No entanto, é possível observar alguns detalhes da história que podem nos ajudar a refletir sobre o sofrimento. Primeiramente é óbvio que a decisão dos irmãos é cruel e reflete seu caráter distorcido. Mas do ponto de vista de José, como é que Deus permitiu tamanho sofrimento em sua vida? Qual o propósito de Deus? Como lidar com isso? Talvez ele tenha mesmo pensado: “O que foi que eu fiz para merecer isso?”. Vamos tentar listar algumas observações que possam nos ajudar a enfrentar os sofrimentos e injustiças em nossa própria vida:
  1. O sofrimento de José tem início com a disfuncionalidade de sua família de origem (poligamia, competição, omissão paterna, entre outros), ou seja, dilemas de nossas famílias de origem vão gerar sofrimentos sobre os quais não tivemos responsabilidade.
  2. A atitude de José foi repreensível, ou seja, embora compreensível, tanto delatar seus irmãos como relatar os sonhos em que seria exaltado foram no mínimo falta de sabedoria. Muito embora ele não fosse responsável pelo favoritismo, ele acirrou o conflito ao alimentar as diferenças.
  3. A tentativa de assassinato e a eventual venda como escravo foram atos de crueldade e injustiça. Não há como aliviar o fato de que vamos sofrer injustiças. Pessoas que deveriam nos amar vão agir contra nós com maldade, qualquer que seja sua motivação. Negar este fato não é espiritual, é alienação! Infelizmente não é incomum pessoas que, ao resolver conflitos, tentam aliviar as motivações daqueles que praticaram a injustiça. José, anos mais tarde, reconhece que seus irmãos agiram com maldade. Reconhecer a injustiça é um passo importante no processo de perdão.
  4. José não podia saber disso tudo, mas todo este drama fazia parte do plano de Deus para salvar seu povo. Este é talvez o maior desafio para nossas mentes alimentadas por expectativa de justiça em nossa perspectiva. Quanto mais pudermos nos apoiar na verdade de que Deus está no controle, mais seremos capazes de lidar com as injustiças e os sofrimentos que vamos enfrentar.
A história de José ainda tem muito para mostrar. No próximo artigo gostaria de continuar a analisar esta história retirando lições para nossas vidas. No entanto, preciso destacar a famosa passagem em que José conclui seu relacionamento com seus irmãos, em Gênesis 50.19-21:
19José, porém, lhes disse: “Não tenham medo. Estaria eu no lugar de Deus? 20Vocês planejaram o mal contra mim, mas Deus o tornou em bem, para que hoje fosse preservada a vida de muitos. 21Por isso, não tenham medo. Eu sustentarei vocês e seus filhos”. E assim os tranquilizou e lhes falou amavelmente.
Eu sei que eu preciso aprender desta atitude de José. Imagino que você também tenha algo a aprender desta história. Por isso eu oro para que a realidade do cuidado de Deus, mesmo diante do sofrimento, se torne um fundamento em nossas vidas. E que nossa atitude reflita nosso compromisso com nosso Senhor e nossa dependência ativa dele.

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