domingo, 26 de janeiro de 2020

O livro de Daniel


A Legitimidade do Livro de Daniel

Roger Liebi
O principal ataque contra o livro de Daniel foi lançado pelo filósofo neoplatônico Porfírio, já por volta do ano 300 d.C. Em seu 12º livro contra os cristãos, ele classificou o livro de Daniel como uma falsificação da época dos macabeus (séc. 2 a.C.), argumentando que simplesmente não existia profecia verdadeira! Em especial no último século, muitos críticos da Bíblia começaram a retomar esse ataque, promovendo um verdadeiro assalto às profecias de Daniel!
Tentou-se apontar uma série de inconsistências históricas nesse livro, o que provaria que o livro de Daniel foi escrito não no sexto, mas no segundo século a.C. Elas demonstrariam que, por viver muito tempo depois, o autor tinha conhecimentos imprecisos a respeito da situação do século 6 a.C.

A confiabilidade histórica de Daniel

Contudo, a forma como o relato de Daniel concorda em detalhes com a história e com os costumes do século 6 a.C. é assombrosa! Os pontos a seguir reforçam isso ainda mais:
  1. Em Daniel 1.3-4 mencionam-se os critérios para selecionar os prisioneiros que receberiam formação especial: nobreza, inteligência e beleza física. Em harmonia com isso, uma tabuleta de argila babilônica registra as seguintes diretrizes para a escolha de adivinhadores: “... de descendência nobre, perfeitos também em estatura e constituição física”. Pessoas sem o conhecimento necessário para o cargo de “sábio” não eram aceitas.
  2. Escavações na Babilônia levaram à descoberta de um prédio que, de acordo com as inscrições nele encontradas, servia como escola para presos nobres.
  3. De acordo com Daniel 1.5, o período de treinamento de Daniel e dos demais prisioneiros escolhidos deveria durar 3 anos. Encontrou-se em textos babilônicos uma passagem afirmando que um músico do templo (que pertencia à classe sacerdotal) precisava “passar por um treinamento de três anos”. Essa concordância é muito interessante!
  4. Daniel 2.2,27 e 4.7 mencionam diversas classes de sábios. Isso reflete a realidade de que havia uma gama extraordinária de classes sacerdotais na Babilônia (mais de 30).
  5. Daniel 3 cita a pena de morte na fornalha, algo típico do Império Babilônico. Escavações na Babilônia também revelaram uma imensa fornalha, cuja inscrição deixava claro que ali eram mortos aqueles que se negassem a honrar os deuses babilônicos. É possível que a palavra em Daniel 3 para “fornalha” (attun) tenha sido emprestada do idioma babilônico.
  6. Em Daniel 6 (à época do Império Persa) menciona-se o lançamento aos leões como pena de morte. De acordo com os nossos conhecimentos atuais, essa era uma condenação típica dos persas!
  7. A narrativa em primeira pessoa no começo de Daniel 4, por exemplo, coincide com o costume literário das inscrições reais do Oriente Médio.
  8. Em Daniel 4.30, Nabucodonosor fala da “grande Babilônia que eu construí...”. As inscrições cuneiformes babilônicas confirmam que Nabucodonosor de fato reconstruiu a cidade, que em 680 a.C. havia sido totalmente destruída por Senaqueribe, rei da Assíria, transformando-a em uma das mais gigantescas maravilhas arquitetônicas da Antiguidade. Uma dessas inscrições reproduz a seguinte afirmação de Nabucodonosor: “... fiz uma cidade magnífica, digna de ser admirada [...] transformei a cidade da Babilônia numa fortaleza”.
  9. É digno de nota que Daniel 5.7,29 mostre Belsazar como mero corregente (“o segundo”). Por isso, ofereceu a Daniel apenas o terceiro lugar mais importante no reino!
  10. De acordo com Daniel 5, havia também mulheres participando da festa de Belsazar, em contraste com o Império Persa, onde as mulheres permaneciam afastadas (cf. Et 1). A história confirma que a posição da mulher no Império Babilônico era diferente do que entre os persas.
  11. O banquete mencionado em Daniel 5, pouco antes da conquista de Babel, é confirmado, entre outros, por Heródoto (485-425 a.C.) e por Xenofonte (430-355 a.C.).
  12. Daniel conservou sua alta posição política depois da queda da Babilônia (Dn 6). A história confirma que Ciro assumiu a equipe administrativa da Babilônia e manteve os atuais servidores nos cargos!
  13. De acordo com Daniel 2.12-13,46,48, um governante babilônico era absoluto e soberano. Já Daniel 6 mostra que os governantes persas estavam sujeitos à “lei dos medos e dos persas” (Dn 6.8,12,15; cf. Et 1.19; 8.8). Isso corresponde exatamente aos fatos históricos!
Todos os ataques da crítica bíblica ao livro de Daniel falharam! As informações históricas, arqueológicas e linguísticas disponíveis apontam claramente para a legitimidade do livro de Daniel, que, portanto, de acordo com suas próprias indicações, data do século 6 a.C.
Neste contexto, a palavra do apóstolo Paulo em 1Coríntios 1.19-20 encontra uma aplicação correta e marcante: “Pois está escrito: ‘Destruirei a sabedoria dos sábios e rejeitarei a inteligência dos inteligentes’. Onde está o sábio? Onde está o erudito? Onde está o questionador desta era? Acaso não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?”.

Afasta de mim esse cálice?


Afasta de mim este cálice?

Daniel Lima
Idade traz consigo alguns privilégios – e não me refiro a filas preferenciais. Idade pode trazer perspectiva, idade pode trazer sabedoria. Certamente idade traz memória. Ao ler o capítulo 18 de João fui remetido a uma destas memórias. Era a época do regime militar. A dupla Gilberto Gil e Chico Buarque era extremamente popular. Em um festival de 1973, tentaram cantar a música Cálice, mas foram impedidos pela censura. Em 1978, finalmente, a música foi liberada. Nelas os autores fazem um trocadilho entre a famosa passagem em que Jesus ora: “Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice” e a frase contra a censura que afirmava: “Afasta de mim esse cale-se”, em um claro protesto contra a censura determinada pelo regime militar. Os autores ganharam reconhecimento pelo trocadilho e a música brilhantes, mas acredito que perderam a consequência eterna do cálice que Jesus deveria e decidiu tomar.
A Bíblia comenta sobre pelo menos quatro cálices (não confundir com as sete taças de Apocalipse). Uma é a taça da consolação (Jeremias 16.7). Aqui Deus profetiza que haverá (como realmente houve) um tempo em Israel onde não existirá nem sequer um amigo para chorar contigo uma perda, ninguém para lhe dar o cálice da consolação. Um segundo cálice é apresentado no Salmo 23.5. Davi declara aqui sua experiência e confiança de que Deus traria a ele reconhecimento e honra. O terceiro é mencionado no Salmo 116.13. A expressão aqui é de gratidão pela salvação. O cálice é levantado, lembrando a prática dos brindes realizados em alguns momentos. O salmista ergue a taça da salvação, louvando a Deus pela salvação que é dele.
Em João 18.10-11, Jesus não está se referindo a nenhuma destas taças. O contexto é a noite em que Judas conduz o grupo dos soldados para prender Jesus. O texto diz:
10Simão Pedro, que trazia uma espada, tirou-a e feriu o servo do sumo sacerdote, decepando-lhe a orelha direita. (O nome daquele servo era Malco.) 11Jesus, porém, ordenou a Pedro: “Guarde a espada! Acaso não haverei de beber o cálice que o Pai me deu?”
Jesus, apesar de ter pedido que o Pai afastasse dele o cálice (Mateus 26.39,42), também declara que seu compromisso primário é com a vontade do Pai. Sua pergunta a Pedro é retórica. Para ele, assim como para seus ouvintes, a única resposta possível seria “é claro que ele vai beber o cálice que seu Pai lhe deu”.
Pelo menos duas considerações vêm à minha mente diante deste texto. Este cálice é o cálice do juízo. É o cálice da punição pelos pecados. Deus, em sua santidade e integridade, continua totalmente alinhado com sua promessa em Gênesis 2.17: “... no dia em que dela comer, certamente você morrerá”. O pecado não podia ser deixado sem punição, pois ele afronta a própria identidade de Deus. Todo e qualquer pecado é muito mais que um deslize moral, justificado por circunstâncias ou condicionamento. O pecado é um punho levantado contra Deus em desafio a quem ele é. Neste sentido, estamos todos condenados... Paulo escreve sobre a graça diante desta realidade aterradora em Romanos 5.8-9:
8Mas Deus demonstra seu amor por nós: Cristo morreu em nosso favor quando ainda éramos pecadores. 9Como agora fomos justificados por seu sangue, muito mais ainda, por meio dele, seremos salvos da ira de Deus!
O cálice que Jesus tomou era o cálice da ira, do juízo e da reprovação de Deus. Era a própria morte, pois Deus é vida e o pecado significa desafiar a Deus e abrir mão da vida verdadeira em troca de alguns momentos de satisfação e autoafirmação. Jesus, e só ele, podia tomar este cálice, por ser o único humano sem pecado. Desta forma sua morte (tomar o cálice) tornou-se a satisfação (propiciação) da ira de Deus.
A segunda consideração que me vem à mente é como eu reajo aos cálices que Deus me dá para beber? Sou imensamente grato por Jesus ter tomado o cálice da ira que era meu por merecimento. Ainda assim, Deus pede que nós, seus filhos, tomemos versões infinitamente menores de cálices para sua glória, para seu plano. Uma vez mais, Paulo escreve a respeito em Colossenses 1.24: “Agora me alegro em meus sofrimentos por vocês e completo no meu corpo o que resta das aflições de Cristo, em favor do seu corpo, que é a igreja”.
Todo e qualquer pecado é muito mais que um deslize moral, justificado por circunstâncias ou condicionamento. O pecado é um punho levantado contra Deus em desafio a quem ele é.
Paulo afirma que completa em seu corpo o que ainda falta das aflições de Cristo. Estas aflições que faltam completar não se referem à salvação, pois sua obra de salvação foi completa (1Pedro 3.18). No entanto, para que o corpo de Cristo seja estabelecido, para que seu evangelho seja proclamado, para que a igreja alcance todos os povos, sacrifícios precisam ser feitos. Desta forma imitamos a Jesus em sua vida e em seus compromissos. Você está completando o que resta das aflições de Cristo quando reage com graça ao ser ofendido, quando continua confiando mesmo diante da dor, quando se entrega à vontade de Deus mesmo que ela contrarie a sua. Você está tomando um pequeno cálice de dor para que o reino de Deus seja estabelecido, em seu coração, em seus relacionamentos e neste mundo.
É uma pena que os autores brilhantes da música Cálice não conhecem o final da história. Com isso perderam o maior dos reconhecimentos: ser chamado de filho de Deus! Jesus não rejeitou o cálice que o Pai lhe deu para beber. Diante disso podemos ter esperança de uma vida de eterna comunhão com ele. Eu oro para que você e eu, diante de cálices amargos enviados pelo Pai, digamos com fé e confiança: “Acaso não haverei de beber o cálice que o Pai me deu?”.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Recomeçar...


Deus dos recomeços...

Daniel Lima
Nestes dias muitos estão comentando seus planos para o próximo ano, seja uma dieta, seja um novo emprego, um novo relacionamento etc. Embora as resoluções de ano novo estejam um pouco fora de moda, existe um ar de esperança para o ano que logo se inicia. Todos sabemos que isso não faz sentido, que na verdade é apenas uma data arbitrariamente estabelecida, mas continuamos com pelo menos uma ponta de esperança de que tudo vai melhorar no ano que vem... Parece que é natural ao ser humano esta ponta de esperança. Fomos feitos para algo maior, para algo melhor, assim, ficamos esperando este algo melhor chegar.
Eu creio que esta é uma característica que nos foi dada pelo próprio Deus. Pense comigo, a história da humanidade começa no capítulo 1, verso 27 de Gênesis: “Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”; no entanto, a história recomeça no capítulo 3, versos 20 e 21, quando Deus mesmo prepara vestimentas para Adão e Eva. Logo a seguir temos a humanidade se tornando tão perversa que Deus a destrói, não sem antes recomeçar com Noé (Gênesis 6–9). O capítulo 11 relata sobre a torre de Babel com a arrogância humana, mas o capítulo 12 nos aponta o surgimento do povo de Israel e a promessa do Redentor.
E o ciclo não termina aí. A história de Israel poderia ser resumida assim: “Os israelitas se afastaram de Deus e fizeram o que ele condena. Deus enviou um povo perverso para discipliná-los. Eles clamaram por misericórdia e Deus ofereceu misericórdia”. Os relatos se multiplicam com o homem se rebelando e caminhando para destruição e com Deus oferecendo um recomeço.
Talvez uma das histórias que melhor ilustra essa característica de Deus é a parábola do filho pródigo ou parábola dos dois filhos. O texto de Lucas 15.11-32 é bem conhecido. Um dos filhos pede sua herança (o que em si já era uma ofensa ao pai). Recebendo sua parte, ele desperdiça tudo vivendo de forma corrupta. Contudo, cai em si e retorna pedindo apenas uma posição subalterna na fazenda do pai. Mas o Pai o surpreende (assim como a todos os ouvintes originais) correndo, abraçando e recebendo este filho com todo amor. Repare nas palavras que o pai diz a seus servos para justificar a festa: “Pois este meu filho estava morto e voltou à vida; estava perdido e foi achado” (Lucas 15.24).
Os relatos se multiplicam com o homem se rebelando e caminhando para destruição e com Deus oferecendo um recomeço.
Aqui começa uma nova vida. Este é mais um recomeço divino. Você percebe o eco destas palavras na passagem de Paulo? “Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas!” (2Coríntios 5.17). O que passou já foi pago. Agora algo novo começa.
Infelizmente a história dos filhos continua e lemos que o filho mais velho se recusa a participar da festa; ao invés disso, confronta o próprio pai afirmando que este é injusto, pois ele merecia muito mais uma festa que o seu irmão mais novo. Sem entender o princípio do recomeço, ele fica agarrado ao seu histórico até ali. Mais uma vez o pai explica como ele está vendo a situação: “Mas nós tínhamos que celebrar a volta deste seu irmão e alegrar-nos, porque ele estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi achado” (Lucas 15.32).
Enquanto um dos filhos demonstra a alegria do recomeço, o outro fica preso às amarguras de sua vida até então. Nosso Deus está sempre aberto a recomeços, mas nós precisamos aceitar este recomeço. Talvez o mais difícil para aceitarmos o renovo é que nossas conquistas passadas deixam de ter valor. Para o filho mais velho aceitar o recomeço que o pai propunha, ele precisava deixar de lado sua vida de fidelidade como um trunfo, como uma moeda para comprar o favor do pai. O que acumulamos em uma vida longe de Deus não tem nenhum valor para nossa vida com Deus. Nós precisamos abrir mão de nosso passado e nossas conquistas para termos um recomeço verdadeiro.
Nosso Deus é um Deus de recomeços. Ele se mostra sempre disposto a perdoar, a recomeçar. Não sei o que precisa de recomeço em sua vida. Talvez seja um relacionamento que “azedou” e você não sabe como restaurá-lo, talvez seja sua família que parece que não tem mais jeito. Quem sabe é algum pecado repetido, com o qual já luta há tanto tempo que você nem mesmo acredita em suas promessas de mudança. Não importa... Deus te aguarda seja para um primeiro recomeço, seja para o “enésimo” recomeço. Seu amor, sua alegria é sempre como se fosse a primeira vez. Seja neste dia 1º de janeiro, seja em qualquer outra data: minha oração é que você e eu possamos caminhar em novos recomeços, cada vez mais próximos do Senhor.